Vivendo, aprendendo...

A vida nos mostra a cada dia, as vezes sem que percebamos, ensinamentos através de lições práticas. Uma noite dessas, tranquila, quente, em meu trabalho, fui surpreendido por dois rapazes, um empunhando uma arma dizendo em voz alta; - queremos seu carro!

Surpreso ainda sem reação, quando percebi, ja estava sendo raptado em meu proprio carro. Durante o trajeto de fuga, sempre sob a ameaça da arma, comecei a trocar um diálogo com o rapaz que estava me vigiando e disse a ele:

- Rapaz, que vida voce escolheu... a qualquer momento voce pode perdê-la em um confronto. E voce me parece ser bem joven ainda.

Ele me respondeu:

- Pois é "tio"... esse é o nosso ganha-pão!

Com essa resposta curta, talvez para alguns, sem sentido, puz-me a meditar:

Será que dentro da cabeça desses jovens existe algo que poderia ser mudado? Será que eles em sua formação, tiveram chances que pudessem tê-los desviados desse caminho de perigo e sem futuro?

Então me lembrei que esses jovens eram da geração "creche". Sim, geração creche porque eles não tiveram uma família como eu tive. Familia sim. aquela em que irmãos compartilhavam brincadeiras, uma mãe sempre presente, falando o que era certo e o que era errado. Um pai, disciplinador, austero, as vezes até um pouco violento. Eles cresceram sob a orientação de pessoas que não faziam parte de sua familia. Pessoas que eram pagas para fazer o papel de mãe e pai. Nunca seria comparável ao da mãe e pai verdadeiros. Seu relacionamento com os demais membros daquela creche era de competição para sobreviver, e não um relacionamento de dividir, de ajudar, de compartilhar, como em uma verdadeira familia.

Hoje eu estava recebendo de volta, por intermédio daqueles dois jovens, o descaso de ontem. Naquela creche em que eles foram alimentados, vestidos, limpos, não havia a preocupação com o amanhã. Via-se a necessidade somente de alimentá-los, vesti-los. Se aprenderam algo na escola, se fizeram as lições, se as notas eram satisfatórias, isso não tinha importância. Não que isso aconteça em todas as instituições de amparo à criança. Mas, vamos imaginar. Se para minha mãe, que tinha seis meninos para tomar conta era difícil olhar todos, imaginemos uma ou duas pessoas tomando conta de centenas de crianças? Como dar tudo aquilo que seria importante para formar o caráter deles? Aí então me preocupei mais ainda. E a geração de agora? Essas crianças jogadas na rua? Então percebi que estamos caminhando com destino ao caos. Sem a educação, sem o respeito às leis, ao direito alheio, a saúde, seremos sempre vítimas de nosso próprio descaso. Hoje eu me culpo por não ter exigido dos políticos que eu elegi para governar meu municipio, meu estado e meu país, uma política realmente eficaz de amparo a todas essas crianças da geração "creche". Fazer com que essas instituições deixem de ser depósitos de crianças e sejam um lar substituto. Que pessoas enganjadas nesse trabalho, o façam por ideal e não por dinheiro. Isso talvez seja somente uma utopia. Enquanto isso, apesar de minha perda material, e de ter sido impedido bruscamente de exercer minha atividade profissional, quero de publico, pedir perdão aqueles dois jovens que me roubaram. Perdão por não ter olhado para esse lado da vida. Perdão por ter achado que isso não era problema meu e sim das autoridades competentes. Perdão a essas crianças de hoje, porque o erro ainda continua. Agora, através desse meu desabafo, e na minha insignificancia, eu peço que tentemos mudar isso. Façamos pressão nas pessoas que elegemos para mudar esse quadro. Vamos participar na formação de opinião quanto a essa politica do desamparo. Senão, veremos o amanhã pior do que hoje. Para encerrar, na mesma noite em que isso ocorreu, recebi de uma amiga, sem que ela soubesse do ocorrido, uma mensagem por e-mail que dizia assim:

"Quando Deus tira algo de você, Ele não está punindo-o, mas apenas abrindo suas mãos para receber algo melhor." (frase de Chico Xavier)

Que Deus nos ampare a todos.

Hajoven
Enviado por Hajoven em 31/10/2009
Reeditado em 01/09/2012
Código do texto: T1897450
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