Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas....
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares, é o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. São dizeres do poeta Fernando pessoa e vincula-se às vários momentos de nossa existências. Quantas vezes necessitamos nos desnudar e traçar novos caminhos na busca da essência perdida em tantos combates que travamos vida a fora. Sei que roupa velha é folgada, gostosa, que as alamedas experimentadas não nos fazem ter medo.
Mas a travessia, o novo, o inusitado? O prazer da descoberta como um sorriso aberto num rosto de criança que vê a mãe, após um dia de ausência. E o cheiro da chuva na terra num final de tarde... Aquele por do sol no Guaíba que somente quem mora em Porto Alegre conhece... A noite, as estrelas que se perderam pelos olhos viciados no conhecido demais... Quando tudo se torna experimentado demais, banalizamos tudo ao redor. Não conseguimos ver com olhos de crianças, a nossa sensibilidade fica sabotada pela a repetição continua de atos rotineiros. Parecemos o personagem do Charles Chaplin que saiu pregando tudo, após longos anos de um trabalho repetitivo.
Carecemos fazer a travessia por mais que nos doía, não podemos ficar a beirada de nós mesmos olhando a vida passar. Ou ficaremos sentados a beira do caminho, enquanto os carros, as pessoas, os sonhos e os contentamentos vão nos abanando de longe. Devemos nos desapegar do antigo, nos desconstruir aos poucos até surgirmos imperiosos, cheios de sol e vivacidade aceitando a história que surge em todas as esquinas. Então a travessia se inicia aos poucos, as roupas velhas e folgadas dão lugar ao imprevisto, a surpresa, ao sorriso sem afobação. Passamos a sentir os aromas, ver as cores e sentir os valores do mundo sem correria... Está feita a travessia, então quem sabe no próximo cruzamento... Quem sabe...
30/10/2009