TUDO SE TRANSFORMA

A conversa descambou para um assunto que foi espantando os mais jovens da família que estavam em torno da mesa naquele dia dos pais. Ficaram apenas os que já passaram dos 40 até 60 e mais o patriarca, 80. A “diáspora” juvenil se deu quando alguém proferiu uma frase afirmando que a natureza começa a descartar o ser humano a partir dos 40 anos. A mim particularmente incomodou pelo fato de ter acabado de escrever um ensaio sobre a vida depois dos 40, confirmando, inclusive a tese forjada na sabedoria popular de que é a partir dessa época que a vida começa de fato.

Vou falar aqui, já que lá o assunto não rendeu mais do que auto-defesas. Cada um querendo garantir o seu lugar no mundo até o máximo que for possível, com saúde e lucidez como desejamos efetivamente quase todos os mortais. E para piorar, a bebedeira aumentou diante da angústia que o assunto trouxe. Logo no dia dos pais? Fazer o que, se o pensamento não escolhe dia nem lugar e a boca não tem autonomia diante da urgência de uma querência humana?

Tenho uma ligeira resistência quando se fala em evolução da humanidade. Eu gosto mais de falar de progresso. Evolução tem para mim um caráter mais elevado, mais sublime e estamos um tanto distantes dela desde que duas de nossas patas viraram braços e passamos a caminhar com as outras duas. Pra frente é que se anda e isso é sinônimo de progresso.

Fato é que o tema me deixou com uma pulga atrás da orelha. E revisitando a história pregressa, a constatação é inevitável. O que conseguimos de avanços nos últimos dois ou três séculos é admirável. Tanto que a comemoração é quase universal quando se trata de propagar aos quatro cantos que aumentou a expectativa de vida de um povo, de um país, de uma região. Ponto para a medicina e a tecnologia. Nos chamados países ricos a expectativa já ultrapassa os 82 anos e por aqui, já superamos os 70 anos, em média.

Como do pensamento a gente só pode falar individualmente, sinto que a inexorabilidade da morte me ronda mais ultimamente. São uns momentos em que não se quer mais fazer coisas de que possa se arrepender com medo de não ter mais tempo de fazer reparos, como é comum na juventude empírica. Porém, não trato isso negativamente. Apenas constato e vou tentando manter meus compromissos em dia especialmente com os sonhos ainda não desfeitos, tipo poder ajudar a acompanhar o crescimento de minha segunda geração. Hei de ser avô e ver alguns netos pelo menos até completarem uma fase acima da infância. Aquela comichão de querer saber como vai ser. Uma espécie de teste da capacidade humana de ir além dos limites da reprodução biológica e da sustentação material da prole. Talvez possa chamar isso de um pouco de essência ou de justificar para mim mesmo o que estou fazendo aqui nesse mundo vasto. Isso é que me move o pensamento.

Tem os recursos que me interessam menos, essas coisas da medicina que tratam da conservação do corpo com retoques, cirurgias, produtos químicos e medicamentos, uma cruzada contra o envelhecimento que não corresponde a um amadurecimento e transmissão de saberes que possam se solidificar num outro ser de nossa gênese. Vou pensando sobre isso e enquanto estiver vivendo vou falando mais, entre espantado, alegre, triste, angustiado, comum enfim, como acredito que deve ser a vida.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 31/10/2009
Código do texto: T1897046
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