Culinária Avançada: os doces brasileiros
Nossos doces primam pelos nomes inusitados. Baba de moça, por exemplo. Talvez romanticamente alguém tenha imaginado, um dia, há muitos anos atrás, que a saliva de uma jovem (certamente virgem), que escorre delicadamente pelos cantos de sua boca, seria uma coisa adocicada e suave... se fosse hoje, o doce estaria quase extinto, pois moças virgens são infinitamente mais raras do que trufas brancas. Além do que, hoje elas fumam e bebem muito, e beijam inúmeros rapazes em uma única balada - imaginam como deve ser essa baba? De qualquer forma, lembrei-me de Millôr Fernandes: num trecho de seu livro “Trinta anos de mim mesmo”, ele pergunta se baba de moça é doce ou porcaria, para responder em seguida que, à sobremesa, é porcaria.
Colchão de noiva também é um desses nomes que caminha na senda da pretensa pureza que evocam. É um doce que consta de duas fatias de pão de ló recheadas. A diferença dele para o bem-casado é a cobertura: diria que os bem-casados são colchões de noiva com lençóis. Porém, onde está a pureza do nome? Um colchão de noiva pode ter várias interpretações, dependendo de alguns dados: há quantos anos essa moça está noiva, por exemplo? E como seria o seu noivo? Os noivos provavelmente já moram juntos há anos, e para se tornarem bem-casados só falta assinar o papel. Mas quando o colchão de noiva é recheado com baba de moça, eu diria que ele já viu muito mais coisas do que podemos supor. Detalhe: nas festas de casamento, retomou-se ultimamente a tradição de distribuir bem-casados aos convidados. Uma dica importante é jamais desunir as duas partes do doce para come-las em separado: isso caracterizaria o doce como bem-divorciados, o que deve ser feito longe das vistas de todos. Ou ao menos depois que as contas do buffet e da viagem de lua de mel forem pagas.
Quindim é uma palavra africana, e significa encanto, dengo. É assim denominado o nosso típico doce de gemas, açúcar e coco. Aos aficionados pelo doce amarelo, eu avisaria que de encanto não tem muito: uma minúscula fatia de quindim de insatisfatórias 50 gramas tem cerca de 80 miligramas de colesterol e 290 calorias. Ainda bem que pelo menos é assado, assim as salmonelas deixam de contribuir para a desgraça total.
E quem não conhece e ama o nosso tão brasileiro brigadeiro? Dizem que foi um doce criado em homenagem ao Brigadeiro Eduardo Gomes, na década de 40. Mas quem já viu mais de duas crianças em frente a um prato onde apenas um doce reina solitário, pode achar que a origem do nome vem da briga que imediatamente se instala pela sua posse. De qualquer forma, o nosso também único e onipresente leite condensado, unido ao fantástico chocolate e uma colher de manteiga, se aquecidos até o ponto ideal (que é quando misteriosamente se desgruda do fundo da panela), dá origem à unânime delícia que embala festinhas há anos. E ainda propicia a união familiar, quando os filhos pequenos querem ajudar a enrola-los, com suas mãozinhas cheias de terra e de outras sujeiras antigas e indecifráveis como hieroglifos, lambidas com freqüência por eles próprios e pelos cachorros que orbitam a cozinha nesse instante... um verdadeiro doce deleite!
Mas, como dizem por aí, vamos comer doces, que de amarga basta a vida. Porém já ouvi quem prefere café amargo dizer o contrário - que a vida já é doce o suficiente... seja como for, o que nos conforta é saber que ela oscila entre estes dois sabores, e é a alternância entre eles que lhe dá o gosto típico do inesperado.
Quer um beijinho?