Novos complexos

Foi durante o corte do frango em quatro pedaços temperados com sal e pimenta que Oduvaldo, conservador dinâmico, sofreu uma espécie de abdução tecnológica. Sujeito que manteve sempre em ordem as faculdades diretoras, era agora analfabeto funcional. Mudanças rápidas dão asas às confusões. O relógio no seu tempo não era no telefone (celular) como agora. Porém sobrevivia prático e sem um pingo de imaginação. Era perfeito para lugares prontos. As coisas prontas haviam sido injetadas em suas veias de forma que alimentava o desejo ciclópico de jamais raciocinar muito.

Na sala Zefa explorava o gato como quem calculava quantos novelos de lã caberia num blusão. Em torno dela tudo se movimentava. Oduvaldo fritava pedaços de frango enquanto a revista semanal deslizava por baixo da porta e as novelas da televisão rodavam por dentro de Zefinha. Mulher do lar sempre ligada nas tramas da televisão. Estavam driblando a penosa sensação de angústia em seus valores, ressentidos, pois haviam recebido a confirmação de que eram "analfabetos funcionais", e como tudo se renovava continuadamente, continuariam dessa forma por toda a vida. De fato um deles deveria se aventurar melhorando as condições de vida dos dois.

Enquanto esposa sabia que o marido na cozinha estava procurando uma panela grossa para fritar pedaços de frango um a um para se livrar da angústia. Sentia que ele, mais do que ela, precisava emergir do novo complexo. Jogava pôquer e xadrez como quem lançava pedaços de frango, para que ficasse dourado com dilatada antecedência, antes de pensar no prato do dia. Mas com o tempo fugiu das aulas de computação com seus mistérios insolúveis, além de milhares de razões para erros fatais e congelamentos. O espaço virtual era infinito, sem geografia definida, nessa nova condição ao sabor do novo mundo. Só a experiência poderia tirá-lo do analfabetismo cibernético.

Com as noções básicas tudo se resolveria. Ir ao “cyber” revelaria uma posição melhorada na sociedade, mesmo atravessando a rua entupida com carroças, além de picumã do fumo das longas baforadas preguiçosas dos trabalhadores, estes completamente parados. Caminhava com seu porte marcial feito consulente das bibliotecas britânicas. Assim como noventa e nove por cento das pessoas que vão para o mar durante o verão não sabem nadar, noventa e nove por cento dos que procuram computador sabem pouco sobre "todas" as operações. (E essa certeza seria disputada a tapas nas discussões sobre avarias) Após colocar pedaços de frango na panela, pondo primeiro as coxas, em seguida os peitos de frango, abriu a porta bruscamente fazendo com que o gato de Zefa, antes amolentado no colo, pulasse eletrizado.

- Vou buscar caldo de galinha, caldo de laranja e casca ralada...

Saiu batendo a porta.

Zefa sabia que nos próximos quarenta e cinco minutos de fervura o prato seria retardado em pelo menos uma hora. Haviam entrado pela rua na era da informática...