PEDAÇOS DA MINHA VIDA - 2

Memórias da minha infância.

Falar sobre o que eu pensava na infância é muito bom. Bom porque foi a fase mais bela de minha vida. Bela porque o mundo parecia mais belo.

Eu tinha muita fé em minhas orações. Quando eu queria andar no mato e, tinha medo de cobras eu rezava: São Bento, água benta do altar, afaste os bichos maus que eu quero passar. Assim eu tinha coragem de andar pelo mato, sem medo, a procura de amoras ou ninhos de passarinhos. Diante de um grande temporal com trovões e raios. Eu rezava para São Jerônimo e Santa Bárbara e, me sentia protegida. Para enfrentar outros perigos eu tinha meu anjo da guarda.

Meus julgamentos eram baseados nos conhecimentos da vida por meio dos contos de fadas, histórias da vida dos santos. Minha mãe e uma tia contavam muitas histórias da vida dos santos. Na casa da minha tia, Maria, havia vários quadros de santos: Santa Luzia com um prato nas mãos onde estavam seus próprios olhos, São Jorge matando um dragão, duas crianças na beira do abismo e atrás delas um anjo da guarda. Quando íamos a igreja aos domingos era comum alguém distribuir santinhos aos fiéis como lembranças pela ordenação de um padre, ou primeira comunhão de uma criança etc. Conforme escrevi acima, tinha meus conceitos baseados nos contos de fadas.

Desta forma, todas as madrastas eram más, todas as pessoas maldosas, neste mundo, seriam castigadas, e quando morressem iriam para o inferno. O bom era sempre recompensado.

Naquele tempo as pessoas não tinham a mesma consciência ecológica como hoje. Por isso, nós fazíamos muitas coisas que agrediam a natureza, como: pegar passarinhos com uma armadilha matá-los e comê-los. Fiz muito isso e, hoje acho uma atitude criminosa. Esse ato era uma das coisas que gostava muito. E que hoje sinto remorsos e vergonha. Era comum, na época que eu era criança, muitos amiguinhos faziam a mesma coisa. Porém um dia fiquei com muita pena de uma rolinha que não foi pega pela arapuca, mas voou e deixou pingar sangue no chão, devido o ferimento causado pela arapuca.

As brincadeiras que fazíamos dependiam do tempo. Durante um temporal brincávamos de soltar barquinhos de papel nas enxurradas. Após a chuva, quando saía o sol, e secava um pouco a terra molhada do quintal, nós jogávamos precipício. Nas noites quentes brincávamos de roda (ciranda) na rua, pega-pega, ou sentávamos na calçada e brincávamos de passar anel, teatro, e contávamos histórias que ouvíamos de nossos pais ou histórias lidas nos livros infantis. Havia uma brincadeira que usávamos brincar dentro de casa: chicotinho queimado. Nós escondíamos um pequeno objeto e uma criança deveria procurá-lo. À medida que ele se aproximasse do objeto dizíamos: “você está quente”. Caso se afastasse, dizíamos: ”você está frio. “Ao encontrá-lo, ele deveria esconder o objeto para as crianças procurá-lo.

Gostávamos de construir uma cidadezinha de barro. Fazíamos as casinhas, as rua, os carros da cidadezinha,a Maria fumaça , os homenzinhos, as mulherzinhas nas ruas. Levávamos vários dias para construir a cidadezinha e um dia resolvíamos inaugura-lá e, soltávamos bombinhas nas casinhas e destruíamos toda a cidade.

Aos domingos, nós íamos assistir à Missa na única igreja da cidade, às dez horas da manhã. As duas horas da tarde íamos ao catecismo. Nós tivemos, por algum tempo, freqüentar uma reunião que era a reunião dos santos anjos. Ao terminar a reunião nós entoávamos o hino: “Santo anjo que me guarda\noite e dia sem Cessar\ eu te rendo minhas graças e te quero sempre amar.” Todos os dias o sino do relógio da matriz batia às seis horas da tarde e, eu via todas as pessoas rezarem uma oração que se iniciava assim: ”O anjo do Senhor anunciou a Maria...”

Havia apenas um grupo escolar na cidade. O ensino naquela época era melhor do que hoje. A criança que terminava o curso primário que correspondia quatro anos de estudo terminava o curso sabendo tabuada de cor, regras de três, juros, resolverem certos problemas bem difíceis, Frações, MMC. MDC. De Português sabia reconhecer as classes gramaticais, estudava um pouco de fonética, aprendia escrever cartas e redações do tipo de descrição e narração. De História estudava fatos históricos como: Conjuração Mineira, Independência do Brasil, Proclamação da República, Os bandeirantes, Os índios no Brasil etc. De Geografia teria de saber o nome de todas as capitais, os nomes dos rios etc.

Na época que eu era criança, na minha cidade só tinha o grupo escolar como escola pública. Poucas crianças continuavam a freqüentar a escola, pois todos na cidade eram bem pobres, e quem podia pagar teria que ir para o colégio interno de freiras que ficava em Viçosa. Pois naquele tempo o único meio de transporte era a Maria fumaça e o horário em que ela passava não coincidiam com o horário das aulas, e na cidade os moradores não possuíam carros. Havia muitas festas religiosas na cidade e em todas as festas havia uma procissão.