Notívago

Noite dessas, caminhado pelas ruas do bairro onde moro, noite quente, início da primavera... Sente-se no ar variados perfumes. Uma brisa leve e seca sopra com vagar. Rua deserta. Escuta-se longe ruídos não identificáveis. Alguns cachorros insones latem vez ou outra. Ruas quietas.

Já foram de barro, pisei muito, brinquei também. Viraram de paralelepípedo. Quando consegui aprender a escrever, transformaram-se em asfalto. Continuamos a brincar, mas, agora de carrinho de rolemã e bicicletas.

Bem aqui, agora é uma escola infantil. Antes era o empório do Euclides, do "seu Euclides". O Tato e a Tata moravam em frente. O Quinho morava ao lado. Do outro, meu amigo Perilo. Rua Jandirobas, aqui também morava a irmã do Doca, e a Iara, mulher dos sonhos de todos os garotos. A Santa Patrícia continua a mesma rua tranqüila, pequena travessa da Oasis. Na Oasis onde morou minha primeira paixão, a Marli; devia ter uns sete anos, até hoje não esqueci. A casa da Dalva, minha prima. Ali era a casa do seu Martins, pai do Cartola e do Wagner, o primeiro a ter televisão no bairro.

Quantas histórias em cada rua, em cada casa. Quantos amigos e parentes. Quantas lembranças pode a mente ter capacidade de reter, quardar na memória, e um dia contar.

Não há uma só rua desse bairro onde pelo menos uma pessoa eu não conheça. Durante o dia é um tal de cumprimentar este ou aquele. Na feira eu quase não consigo andar, de tanto parar a conversar, por tantos encontrar.

À noite são as sombras a companhia, o silêncio companheiro de caminhadas e o pensar a cada rua, a cada casa, uma memória a recordar, como agora, a Rua Alba, casa de seu Sebastião e da dona Amelinha. Casa onde todos os homens eram mimados, a começar pelo caçula. Os outros três também. Em casa de mulher forte, homem é sempre criança, já as mulheres, ah! Ali as mulheres dominavam, embora não parecesse, pois todas belas, femininas. Controlavam a bagunça e a desordem, e impunham a disciplina sutilmente. Casa com nove pessoas, mais os agregados, namorados, amigos, e parentes que por lá apareceriam. Elas conseguiam manter um espaço só para elas, preservavam suas individualidades e privacidade, seus segredos e também a união entre as irmãs, muito grande. Belas e guerreiras meninas, por onde será que andam?

Assim é o andar a noite pelo bairro. Por hoje já tenho o suficiente para sonhar. Amanhã, quem sabe, por qual rua vou andar? O que, de quem irei recordar? Alguém disse que recordar é viver. Se assim for, viverei eternamente. Boa noite!

Isidoro Machado
Enviado por Isidoro Machado em 28/10/2009
Código do texto: T1891733
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