MARIOLA, A DESAJUSTADA MENTAL

MARIOLA, A DESAJUSTADA MENTAL

Wilton Porto

Mariola era uma desajustada mental, que morava na mesma rua que eu, quando eu residia em São João do Piauí, minha cidade natal, a 500 quilômetros de Teresina, a Capital do Piauí.

Ela perambulava livremente pelos logradouros da cidade, ora tranquila, às vezes agitada, vestes desajeitadas, nem sempre limpas e, no odor, percebia-se que não era dada ao banho, sem contar que, entre roupas rasgadas, rosto macilento, notava-se trejeitos, conversação com ela mesma e abandono familiar.

A família de Mariola era pobre, sem instrução e, pela forma como a “doida” vivia, não transitava no mundo da preocupação; o que justificava, já que estava montada em condição financeira em desacordo com os moradores da nossa rua e da maioria da cidade.

Quando a mente dela saía de órbita, jogava pedra, levantava a saia, esculhambava a molecada que lhe intimava gritando pilhérias, o que lhe agitava mais os nervos, e o juízo enrubescia, alterando-lhe todo o espírito já combalido pela demência.

Não faltavam os espertos. Louca jovem, hormônios ajustados à idade, explodiam entre as pernas desmazeladas. Matagal na periferia da cidade, rapazolas saltitando em desejos sexuais, pouco se importavam com os desacordes cerebrais da moça e tampouco se lembravam de qualquer tipo de doença sexualmente transmissível. O fogo que ascendia em ritmo acelerado, buscava o ápice do descarrego do sêmen a envolver-lhes o corpo incontrolável. O funga-funga entre folhas e o espojo dando-lhes a quietude do físico, não lhes traziam nenhum sinal de culpa. Resvalavam no meio da angústia e do medo, quando o médico, sem pestanejar, informava-lhes sobre doença venérea.

Prefeitos – sem generalizar – não têm uma política para tirar esse tipo de pessoa das vias públicas, oferecendo-lhe um tratamento adequado. Principalmente numa cidade interiorana com três ou quatro mil habitantes. Era o caso de São João do Piauí, à época.

Ao levarmos em consideração Freud, a demência precoce é a regressão que se estende além do narcisismo (amor por si mesmo). O demente chega ao completo abandono do amor objetal e retorna ao autoerotismo infantil.

Repressão, fixação e fracasso são uma constante dentro da paranoia. O ser que não encontra equilíbrio físico-mental isola-se ou é isolado, levando-o a não ver perspectiva de sucesso. Sente-se castrado, o que não percebendo firmeza em si, castiga-se, reprime-se.

A repressão o leva à insegurança, fixando a mente na incapacidade de atingir os objetivos. Perde o sono, passa noites em claro remoendo pensamentos negativos, e joga por terra o interesse pelo amor material e se volta para o autoerotismo infantil.

Emborcado no fracasso, desiludido diante da realidade, não tem forças para reagir. Há um desligamento da libido em relação a pessoas e coisas anteriormente amadas e se desestrutura. Quando se entende que espíritos obsessores o rodeiam, sabe-se que ele é manipulado, ludibriado, desconectado. Passa a olhar-se como lixo, um súcia da sociedade.

Mariola ao não encontrar o caminho do amor às pessoas e coisas e ainda sofrer todo tipo de repressão, voltou-se para um mundo todo seu, navegando num mar sem porto seguro.

Ao ganhar bucho, era necessário o desconcerto do aborto, nos acordes desencontrados da canção da vida. Quem iria cuidar de uma criança? Quem seria o pai?...

Eu, alma de poeta desabrochando, apiedava-me daquele ser divino, que estava entregue aos labores da decepção, e da indiferença humana.

Num canto do meu consciente, eu severizava em não perder de vista as desilusões daquela menina e depois mulher. Sabia que ali havia uma vida sem vida, uma história sem brilho, mas que o escritor que eu haveria de ser, faria subir ao pico mais elevado, numa demonstração de que somos um novelo sendo desenrolado a cada encarnação. Aquela jovem que servia de chacota, que pelas ruas marcava passos em delírios, tinha latente uma pérola: a essência imortal, pura, radiante, que um dia voltaria à face da terra para informar aos homens que, tudo é um aprendizado, ou forma de dizer que, diamante para luzir precisa ser lapidado diuturnamente, por muitos séculos.

A estada de Mariola naquela situação, aqui na terra, fora um momento de pagamento de dívidas, uma partícula de tempo sob os auspícios da expiação de erros do passado.

Em vez de ajudá-la, os homens a desprezaram, torturaram-na impiedosamente. Mas no alto da montanha há uma LUZ inapagável e eterna. Mais cedo ou mais tarde, Mariola A enxergará. E no abraço aconchegante, nas lágrimas do dever cumprido, ela tomará lugar entre os ditosos. Quem sabe? Poderei estar lá para aplaudi-la e abraçá-la em ápice de emoção.

No meu livro “O CURTIDOR DE PELES”, publiquei a seguinte poesia.

MARIOLA

Na rua da “Baixa da Égua”

A menos de uma légua

Da casa onde eu morava

Residia Mariola.

Perambulando pra cima e pra baixo

Mente alheia aos grandes fatos

Passava o dia Mariola

Conversando com os seus botões.

Ou seria com algum espírito?

Ouvia os gritos horrendos

Da garotada correndo:

“Mariola!... Mariola!...

Falta um parafuso na cachola?”

Mariola esquenta o sangue,

Mexe nos nervos, rompe o transe,

Pega da pedra e em disparada

Atira com raiva e berra assim:

Filho de uma égua

Filho de uma puta

Vai xingar a tua mãe

Aquela égua, aquela puta”.

Levantava a saia

Mostrava o bumbum

Seguia o destino

Sem eira e nem beira.

Os homens que a viam

Feito trapo de vida

Pouco se importavam

Que ali havia uma vida

E que um dia serão cobrados

Pela vida dessa vida.