CAIXA DE PANDORA
"Sou um anjo vestido de negro, com asas longas, pele alva, cabelos ao vento...
Carrego nas mãos mais que flechas do amor, mas cacos de mim mesma que se espalham pelo ar.
Minhas penas são amassadas, meio opacas pelo sol que me escapa. A lua é mais doce e complacente com meu marasmo.
Sem nuvens, mas pedregulhos na terra firme, chão batido, pés descalços..."
Eu gosto muito de doce. Adoro lamber um glacê, chantilli, cremes e semelhantes. Chocolate me enjoa um pouco, mas a cereja que vem no topo do bolo, é minha tara.
Adoro um salgado. Sempre que como um doce, preciso de um salgado para equilibrar meu paladar.
Sou um doce, mesclando com uma pitada de sal.
Eu vejo a vida como um algodão doce com flancos de azedume. Misturando fica gostoso. Separado, não dá para suportar.
Só como carne bem passada, odeio mastigar-la crua e com gosto de sangue. Basta o meu, que escorre fácil.
Sou essencialmente gustativa. Preciso que tudo de bom passe pelo meu paladar, para ser aprovado, inclusive os homens.
Passei um tempo acreditando ser uma vampira em potencial, pois sempre me apaixonei por um bom pescoço. Já olhei para um homem e não reparei absolutamente nada que o acompanhava, só pescoço, suculento e tenro, que seria capaz de suportar o meu mais ardoroso desatino.
Então, um homem com um pescoço grosso e forte já tem meio caminho andado para me conquistar. Se vier carregado de doces, então me terá para a eternidade.
Pode ser culpa do pescoço minha falta de sorte no amor.
Eu sou dada a absurdos e meus passos são constantes como uma montanha russa. Eu fico sempre tonta com meus devaneios, mas não consigo parar e ser normal. Não acho a menor graça em ser como todo mundo.
Meu corpo está deslocado de minha alma.
Adoro dar conselhos e sempre tenho a palavra certa, a frase exata e os meus amigos e observadores me agradecem e mudam suas vidas por isso. Não sinto o peso da responsabilidade de minhas ações, pois as considero lógicas. O sentido da verdade é você acreditar em tudo o que faz, mesmo que pareça errado para alguém - ou para todos.
(Preciso ouvir meus próprios conselhos.)
A verdade é um vento que sai da minha boca, em brisa, em tufão, depende do meu humor. Falo o que vem a minha cabeça e adquiri técnicas de magoar menos, sem deixar de ser eu.
Mas sei mentir que é uma barbaridade...
Gosto de atribuir minhas qualidades as minhas profissões. Sou curiosa e nada sai de meu conhecimento, por isso sou jornalista. Meu temperamento é forte e intenso, porque sou atriz. Gosto de palavras e exagero quando escrevo, porque sou escritora. Tenho uma vida nômade, porque trabalho com música.
Mas na verdade, o que sou mesmo é uma mulher cheia de certezas, noutras um papel colorido, com rabiscos sem sentindo algum. Cheia de desculpas para dar, disfarces. A rainha da ilusão passageira. Mesclando doce e salgado para engordar mais. Na medida certa do exagero. Porque sou intensa e isso já arde demais.
"Agora eu sou um anjo. Negro, torto, disforme. Como são as minhas verdades."