HOMEM ELÉTRICO
“- Aqui se reúnem caçadores, pescadores, vendedores e outros mentirosos!...”
A frase fora escrita numa plaqueta e pendia, emoldurada, na parede da sala do chefe, onde habitualmente ele se reunia com sua equipe de vendas.
Um dos vendedores, o Davi, paulista de Ibitinga, sujeito robusto, engraçado, vez por outra me acompanhava nas viagens a Campinas. No caminho ia tagarelando, contando seus casos, suas potocas, fazendo jus à filosofia da plaqueta, acerca dos vendedores “ e outros mentirosos”.
Numa dessas viagens, ele sapecou:-
“- Chefe, vê este dente preto aqui?”, e cutucou com o indicador o dente queimado, frontal.
“- Sim, Davi. O que houve?”
“- Pois bem – continuou, eu quando garoto de uns sete, oito anos, era levado da breca. Vivia inventando coisas junto com meus irmãos. Volta e meia aprontava uma arte e o velho me surrava pra valer. Eu era doido, essa é a verdade.
Uma tarde, o pai consertava a instalação elétrica do banheiro lá de casa e a gente brincava por perto. No chão, espalhavam-se ferramentas, fios e parafusos diversos. Uma idéia me veio à cabeça e não pestanejei. Peguei um pedaço grande de fio, amarrei uma ponta no dente e dei a outra extremidade ao meu irmão, dizendo:- Mete lá dentro da tomada. Você vai ver o Homem-Elétrico!...
Meu mano não se fez de rogado e introduziu o fio no buraco da tomada de força. O choque foi brabo, caí pro lado, a boca chiando, até fumaça saiu, chefe! Daí, fiquei com o dente estragado, pois o choque prejudicou a raiz. Além da bruta surra do velho, ainda ganhei o apelido de “Homem-Elétrico”, do qual nunca mais consegui me livrar por causa do dente queimado!...”
-o-o-o-o-o-
São Paulo, 21/03/88