Isso é o que eu acho
Uma sexta feira, final de expediente e aquela sensação de estar se livrando do aprisionamento semanal nosso de todo o dia. Entrei no ônibus já preparado para o segundo aprisionamento: O engarrafamento. É só ter calma, disse a mim mesmo. No próximo mês já será possível procurar um consórcio e sair dessa em vinte minutos... e em duas rodas, o que é melhor.
Já conseguia até ouvir a melodia harmônica das quinhentas cilindradas, quando meu rápido e febril delírio foi interrompido por um anuncio. Era um camelô vendendo canetas. Canetas com calendário, tabuada, com perfume, para CD e DVD, só não tinha identificador de chamadas nem Bluetooth, mas tinha de tudo.
Então, comecei a reparar, já que o sonho de liberdade já havia ido embora mesmo pela janela e meus pensamentos voltaram a se sentar no banco do ônibus, olhei melhor e prestei a atenção. Camelô?? Acho que não! Um rapaz alto, de cabelos loiros perfeitamente cortados e caindo por cima dos atentos olhos cor de caramelo. Camelô? Mas ele não faz um péssimo uso da Língua... eu prestei a atenção às concordâncias, colocações pronominais e à forma como ele se dirigia às pessoas. Maior correção impossível. Camelô?? Ele é um boyzinho que o papai pôs de castigo sem mesada. Isso sim!
Ele nem fala gritando! A única gafe cometida foi pular a roleta. Mais nada. Observei intrigado. O que será que ele quer aqui? Ainda estava me perguntando quando ele rapidamente agradeceu ao motorista e desceu, para continuar o trabalho em outro ônibus, já parado no ponto. Julguei aquilo um abuso, afinal tanta gente realmente precisa!
Sendo ainda metade da viagem até a minha casa, já que o engarrafamento não terminou ainda e nem o mês, virei o rosto em direção à janela. Pensando na conta vencida ontem, ( culpa do patrão que não me liberou mais cedo ) e no seminário para a faculdade que ainda estava incompleto, comecei a cochilar embalado pelo balanço do ônibus até que fui interrompido por um grito: Senhoras e senhores! Desculpa estar incomodando o silêncio da sua viagem, mas o camelô vem trazendo... e etc.
Desta vez um menino, muito mal vestido e franzino que mal agüentava carregar as balas que trazia, e gritava com voz estridente: Um real, Um real! Acordei assustado e olhei em direção à porta dianteira. Agora sim, alguém que tem necessidade desse tipo de trabalho. Tudo normal. Como faltam dez minutos ainda até chegar em casa e a Lotus Music só abre mais tarde, volto a cochilar. Desce o menino com as balas na mão.