Look Closer

- Oi, pode me levar até a estação Brigadeiro?

Uma sombra disse que sim. A dona da voz sorriu, tímida, enquanto entrava no táxi. Ele virou-se para ela. Primeira vez que o viu de verdade: praticamente um galã de novela, porte atlético, sorriso cheio de charme, olhos dum azul-piscina e perfume que se espalhava por todo o carro. “O ar está incomodando?”, disse olhando nos olhos verdes dela. “Não, sem problemas”, respondeu quase sem deixar a voz sair. Ele se virou pra frente, mexeu no rádio que até então tocava um rock barulhento e difícil de identificar e colocou Blower’s Daughter baixinho enquanto acelerava o carro. Ela olhava através da janela, coberta de pingos de chuva, para as ruas vazias.

And so it is… Quis rir e chorar. Justo aquela música? Ele cortou o silêncio, talvez prevendo nela a solidão e a tristeza. “A chuva havia ido embora, agora voltou, daqui a pouco para de novo… Né?”. Ela continuava monossilábica. “É”. Lembrava-se de todas as vezes em que fizera aquele mesmo percurso, sem rumo, ao lado de quem supunha ser o homem de sua vida, Alameda Santos adentro. “Te deixo na Brigadeiro”, ele dizia, e colocava sua mão nas pernas dela até encontrar a mão que ela tanto detestava, a mão branquinha e gordinha, das unhas roídas até a carne. Dirigia a mão dela à boca e beijava-a sem tirar os olhos do trânsito. Ela enlouquecia. “Pare com isso! Sabe que acho perigoso!”. Só paravam na estação Santa Cruz, já bem longe do rumo previsto.

Did I say that I love you? Quase escorria uma lágrima dos olhos dela quando, no farol vermelho, entre os últimos sussurros de Damien Rice, o charmoso taxista chamou-a de volta ao presente. “Vai pegar o metrô ou encontrará alguém ali perto?”. “Metrô”, respondeu quase que com aspereza. Indiscreto, pensou. Que absurdo tirá-la do passado que tanto amava, que absurdo querer saber de seu presente. Mas deixou passar. Rice deu espaço para China, de Bowie, ela já dispersa, contando as gotas de chuva no vidro do carro, ele olhando para taxímetro que se aproximava dos dez reais, ambos se recompondo enquanto os alunos saíam do prédio da Gazeta, do outro lado da Avenida. O taxímetro parou nos R$9,80. Despediram-se. “Obrigada, obrigada mesmo”, ela sorriu pela primeira vez olhando nos olhos do desconhecido. “Obrigado eu”, disse o príncipe disfarçado, guardando no bolso a nota de dez reais.

Ah, quantas meninas perdidas como ela ele carregava por dia!

Sozinha na garoa, sem a mínima pressa de chegar em casa, viu o táxi sumir no horizonte.

Nica
Enviado por Nica em 24/10/2009
Código do texto: T1884585
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