A DUALIDADE DAS COISAS

Gosto muito do poema “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens. Volta e meia vejo-me na varanda a declamá-lo para os sabiás, bem-te-vis e pardais trepados no muro em redor: “Quando Ismália enlouqueceu/ Pôs-se na torre a sonhar/ Viu uma lua no céu/ Viu outra lua no mar/ No sonho em que se perdeu/ Banhou-se toda em luar/ Queria subir ao céu/ Queria descer ao mar...”. Aplausos. Aplausos. Aplausos. Thank you, thank you, ladies and gentlemans. Mas repetição só se me baixar um Demóstenes.

Texto simbolista, “Ismália” explora o tema da morte (há quem diga que Ismália seja Constança, a noiva do poeta, morta em 1888). Apraz-me, nele, o modo como, através de metáforas e repetições de palavras, o autor discorre sobre a dualidade das coisas: céu/mar, subir/descer, corpo/alma, vida/morte, etc.

Não é de hoje que ouço as pessoas falarem sobre essa dualidade. Algumas até polemizam sobre ela, a ponto de graça. Vejo-a através dos antônimos, sem a conotação metafísica: dia/noite, claro/escuro, sol/lua, fundo/raso, alto/baixo, céu/terra, fogo/água, e assim por diante, ad infinitum.

Para mim ela é perfeita e totalmente necessária. Já imaginou se não houvesse noite e o dia fosse constante? Como haveríamos de nos arranjar com o sono, o descanso e o excesso de luminosidade? Agora pense se fosse exatamente o contrário, não houvesse dia, predominasse a escuridão? Ou se todo mundo tivesse a mesma estatura, os rios e mares a mesma profundidade, a tonalidade das pedras, plantas e flores fosse uma só?

Refletir sobre tal dualidade é uma questão filosófica de se tentar chegar à verdade das coisas. Martelar em ponta de faca é que não dá. É certo que, como ser humano, temos um corpo e uma alma. Alguém duvida? Pra que então ficar discutindo que somos uma dualidade? Iremos chegar aonde? Melhor é discutir, como faz Caetano, a razão de existimos. Aplique-se isso ao resto e ponto final. Sábio mesmo é Chicó, o personagem criado por Ariano Suassuna em “O Auto da Compadecida”, que sempre perguntado sobre alguma verdade, diz, em sua simplicidade nordestina: “Não sei, só sei que é assim”.

Diante da insistência dos sabiás, bem-te-vis e pardais (acabou de chegar um casal de rolinha fogo-pagou, um tucano e duas araras vermelhas), que mesmo enxotados não arredam pé do muro, recito novamente o “Ismália”: “E no desvario seu/ Pôs-se na torre a dançar/ Estava perto do céu/ Estava longe do mar/ E como um anjo pendeu/ As asas para voar/ Queria subir ao céu/ Queria descer ao mar/ As asas que Deus lhe deu/ Ruflaram de par em par/ Sua alma subiu ao céu/ Seu corpo desceu ao mar”. Agora sim, that’s all pessoal, bye, bye.