CAVALO VADIO

Esse era vadio ... Sabia enganar o dono, fugir do trabalho escravo, ficar vagando à toa pelos recantos do bairro.

Uma vez eu o vi. Vinha do batente, cansado, com uma fome canina. Atalhara o trajeto costumeiro, passando por detrás do campo de futebol do “Renascença”, para chegar mais depressa á casa.

Ele estava lá em cima, no terreno limpo, antes um mato feio. Ruas foram abertas, trator rasgou o morro que havia, modificando a paisagem. Agora, só terra vermelha. E ele no meio dela, fazendo não sei o quê. Capim não havia, de água nem sombra.

Observei-o de longe. Seu ar de brejeiro, porte manhoso. Uma molecada vinha descendo. Jogaram-lhe torrões, uma fuzilaria de calhaus. Ele relinchou, irônico, abanou a cauda, trotou num garbo avacalhado para a extremidade do terreno. A meninada desistiu. Ficara fora do alcance das pedras.

O malandro parou, girou a cabeça, olhou os garotos. E então, com infinito desdém, ajoelhou-se, virou de barriga pra cima, rolou até mais não poder na poeira vermelha. Depois levantou-se, sacudiu a imundície, saiu devagar e matreiro.

Continuei meu caminho, o pensamento naquele animal esquisito. Parecia até raciocinar. Incrível.

Depois do banho, a janta. Desta para a escola, que não sou como o cavalo vadio. Quando tornava a casa, já tarde da noite, topei de novo com o matungo, outra vez errante, pastando quieto a gramínea da rua.

Parei perto dele, mirando-o . Ergueu o pescoço, fixou-me seus grandes olhos castanhos, tremendamente vivos, quase humanos, relinchou suave, sacudiu a cabeça e afastou-se devagar, calmo como nunca. Só faltou desejar-me boa noite! ...

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B.Hte., 15/10/60

OBS:- publicada no jornalzinho “Bossa Nova”, órgão do bairro, sob o pseudônimo de Tullio Madrigal.