Rios
que nos envergonham
Rabisquei esta crônica depois de navegar nas águas tranquilas e transparentes do velho Sena.
Um sol pleno e frio cobria Paris. E ela se aproveitava da manhã ensolarada para exbir algumas de suas atrações: Notre-Dame, o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel e a igreja Sacré-Coeur, no boêmio Montmatre.
Desta vez me hospedei numa rua próxima à Sorbone, o que me proporcionou ver de perto a tradicional Escola de cultura que enche de orgulho e de glória a terra de Victor Hugo, Balsac, Baudelaire, Camus, Gustav Flaubert, Anatole France, Simone de Beauvoir e tantos outros escritores que se deram às mãos para fazerem a França eterna.
Só que, ao chegar em Salvador, tive que refazer o que houvera escrito depois do Sena. Pois, creiam, esquecera minha crônica no Mundial, o meu hotel em Lisboa, manuscritada com uma paciência beneditina.
Nesse mesmo hotel, com vista para o Castelo de São Jorge, também deixei alguns postais que comprara no Chiado, depois de tomar um cafezinho ao lado da estátua de Fernando Pessoa, mui bem cuidada pelos lisboetas.
Diferente, pois, do que fizeram com as estátuas de Drummond, no Rio de Janeiro, de Rachel de Queiroz, em Fortaleza, e de Vinícius de Moraes, cá em Salvador: essas três estátuas foram mutiladas, desrespeitadas por brasileiros ignorantes, irresponsáveis e supinamente burros.
Não documentei meu encontro com a estátua de Fernando Pessoa. Infelizmente, minha digital já estava com sua bateria esgotada na manhã que subi ao Chiado a procura de um CD de Amália Rodrigues.
E não podia ser diferente: resgistrara, em mais de 200 fotos, minha passagem por Praga, Budapeste, Viena, Roma, Paris e Lisboa. Com uma esticadazinha até Assis, claro, e uma visita à terna Lourdes, cidade de Santa Bernadete, onde cheguei a bordo de um TGV.
Podia escrever uma crônica sobre cada uma dessas cidades.
Falar, por exemplo, sobre Praga, que surpreende e encanta. Descrever uma de suas atrações, o Relógio Astronômico, cuja badalas anunciam a aparição dos doze apóstolos nas janelinhas da torre da igreja da praça da Cidade Velha, borbulhante.
Descrever a majestosa Ponte Carlos, construída sobre o rio Vltava, emprestando beleza e simpatia à acolhedora capital da República Checa.
Falar sobre São Venceslau, o padroeiro da cidade; e sobre o Menino Jesus de Praga, com seus 45 centímetros de tamanho, uma devoção universal.
Abro um parêntese par ressaltar que os comunistas, que dominaram a capital da antiga Tcheco Eslováquia durante décadas, souberam preservar o extenso patrimônio arquitetônico, religiosos ou não, dessa belíssima cidade do leste europeu.
O mesmo aconteceu com Budapeste, também dominada pelo regime durante muitos anos. Pecaram os comunistas quando esconderam do mundo a beleza dessas duas metrópoles.
Mas escrever sobre Praga, Budapeste, Viena, Roma, Paris e Lisboa torna-se, no meu modesto modo de entender, dispensável e nem seria aconselhável fazê-lo numa crônica.
A Internet permite que se chegue a essas extraordinárias cidades com rapidez e precisão; e até explore aquilo que de mais intimo e belo elas oferecem.
Dou dois exemplos. Um clique, por exemplo, deixa o cidadão dentro do Louvre e diante da Mona Lisa e da Venus de Millus.
Em Roma, onde o grande espetáculo é o vaticano, um clique traz a mais nova atração da Basílica de São Pedro, ou seja, o corpo do Papa João XXIII que a morte não destruiu. O corpo do bom pontífice permanece intacto e está exposto numa urna de vidro ao alcance dos olhos de qualquer mortal, pecador ou não.
Seria talvez aceitável escrever algumas linhas, revestidas certamente de uma boa dose de romantismo, sobre a passagem pelos cafés da movimentada Sant-Germain-des Prés; um jantar no Trastevere; um chocolate quente nos cafés de Viena; ou a ida a uma casa de Fados, no Bairro Alto ou na Alfama, lembrando Amália Rodrigues, na despedida da Europa.
Mas isso não são coisas para serem simplesmente contadas: são coisas para serem vividas: e vividas intensamente...
Em verdade, uma das coisas que mais me faz ficar deslumbrado nesses meus périplos pelo Velho Mundo são os seus rios. É gratificante navegar pelo Volga, pelo Vltava, pelo Reno, pelo Sena e pelo Danúbio.
Esses rios não só embelezam as cidades que eles banham como traduzem o carinho e o respeito que por eles tem o europeu. Posso até estar enganado, sabedor de que gente sebosa pode ser encontrada em qualquer parte do Planeta.
Mas se chega ao ponto de não entender Paris sem o Sena; Viena e Budapeste sem o Danúbio; Colônia sem o Reno e Praga sem o Vltava.
Meu hotel em Viena ficava à beira do Danúbio. Dava pra ver o interminável desfile de embarcações repletas de turistas, câmeras à mão, fotografando a beleza da cidade de Vivaldi.
Na manhã gelada - não sei se os termômetros marcavam mais de 8 graus - me pus a contemplar o vaivém dos navios, aplaudidos de perto por dezenas de pássaros que os sobrevoavam numa festa ininterrupta.
Pareciam querer dar as boas-vindas aos turistas, numa dança ao som da valsa de Strauss.
Ai, na minha janela vienense, me lembrei de dois dos nossos mais queridos rios: o São Francisco e o Tietê.
O Velho Chico, maltratado, está morrendo. As autoridades quando dele se lembram, é para mutilá-lo, mexendo no seu leito, para, com a tal da transposição de suas águas, beneficiar não os barranqueiros, mas os donos de terras situadas às suas margens.
Tiraram-lhe a possibilidade de ser um rio navegável. Hoje, só nos livros de história, aparecem as gaiolinhas do São Francisco, cujos apitos levavam os são-franciscanos às lágrimas, nos cais ribeirinhos.
O Tietê não é menos desprezado. Projetos e mais projetos surgem em todos os governos visando saneá-lo e lhe dar condições de navegabilidade. Pouco se conseguiu. Bem que ele podia ser o Sena ou o Danúbio de São Paulo. Mas o que se sabe é que, em alguns momentos, ele é o esgoto de Sampa.
Lindos rios brasileiros!
Tão lindos mas, de repente, rios que nos envergonham. Culpa deles? claro que não. Pela sua degradação, culpados somos nós.
Foto - Na Ponte Carlos, em Praga.
que nos envergonham
Rabisquei esta crônica depois de navegar nas águas tranquilas e transparentes do velho Sena.
Um sol pleno e frio cobria Paris. E ela se aproveitava da manhã ensolarada para exbir algumas de suas atrações: Notre-Dame, o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel e a igreja Sacré-Coeur, no boêmio Montmatre.
Desta vez me hospedei numa rua próxima à Sorbone, o que me proporcionou ver de perto a tradicional Escola de cultura que enche de orgulho e de glória a terra de Victor Hugo, Balsac, Baudelaire, Camus, Gustav Flaubert, Anatole France, Simone de Beauvoir e tantos outros escritores que se deram às mãos para fazerem a França eterna.
Só que, ao chegar em Salvador, tive que refazer o que houvera escrito depois do Sena. Pois, creiam, esquecera minha crônica no Mundial, o meu hotel em Lisboa, manuscritada com uma paciência beneditina.
Nesse mesmo hotel, com vista para o Castelo de São Jorge, também deixei alguns postais que comprara no Chiado, depois de tomar um cafezinho ao lado da estátua de Fernando Pessoa, mui bem cuidada pelos lisboetas.
Diferente, pois, do que fizeram com as estátuas de Drummond, no Rio de Janeiro, de Rachel de Queiroz, em Fortaleza, e de Vinícius de Moraes, cá em Salvador: essas três estátuas foram mutiladas, desrespeitadas por brasileiros ignorantes, irresponsáveis e supinamente burros.
Não documentei meu encontro com a estátua de Fernando Pessoa. Infelizmente, minha digital já estava com sua bateria esgotada na manhã que subi ao Chiado a procura de um CD de Amália Rodrigues.
E não podia ser diferente: resgistrara, em mais de 200 fotos, minha passagem por Praga, Budapeste, Viena, Roma, Paris e Lisboa. Com uma esticadazinha até Assis, claro, e uma visita à terna Lourdes, cidade de Santa Bernadete, onde cheguei a bordo de um TGV.
Podia escrever uma crônica sobre cada uma dessas cidades.
Falar, por exemplo, sobre Praga, que surpreende e encanta. Descrever uma de suas atrações, o Relógio Astronômico, cuja badalas anunciam a aparição dos doze apóstolos nas janelinhas da torre da igreja da praça da Cidade Velha, borbulhante.
Descrever a majestosa Ponte Carlos, construída sobre o rio Vltava, emprestando beleza e simpatia à acolhedora capital da República Checa.
Falar sobre São Venceslau, o padroeiro da cidade; e sobre o Menino Jesus de Praga, com seus 45 centímetros de tamanho, uma devoção universal.
Abro um parêntese par ressaltar que os comunistas, que dominaram a capital da antiga Tcheco Eslováquia durante décadas, souberam preservar o extenso patrimônio arquitetônico, religiosos ou não, dessa belíssima cidade do leste europeu.
O mesmo aconteceu com Budapeste, também dominada pelo regime durante muitos anos. Pecaram os comunistas quando esconderam do mundo a beleza dessas duas metrópoles.
Mas escrever sobre Praga, Budapeste, Viena, Roma, Paris e Lisboa torna-se, no meu modesto modo de entender, dispensável e nem seria aconselhável fazê-lo numa crônica.
A Internet permite que se chegue a essas extraordinárias cidades com rapidez e precisão; e até explore aquilo que de mais intimo e belo elas oferecem.
Dou dois exemplos. Um clique, por exemplo, deixa o cidadão dentro do Louvre e diante da Mona Lisa e da Venus de Millus.
Em Roma, onde o grande espetáculo é o vaticano, um clique traz a mais nova atração da Basílica de São Pedro, ou seja, o corpo do Papa João XXIII que a morte não destruiu. O corpo do bom pontífice permanece intacto e está exposto numa urna de vidro ao alcance dos olhos de qualquer mortal, pecador ou não.
Seria talvez aceitável escrever algumas linhas, revestidas certamente de uma boa dose de romantismo, sobre a passagem pelos cafés da movimentada Sant-Germain-des Prés; um jantar no Trastevere; um chocolate quente nos cafés de Viena; ou a ida a uma casa de Fados, no Bairro Alto ou na Alfama, lembrando Amália Rodrigues, na despedida da Europa.
Mas isso não são coisas para serem simplesmente contadas: são coisas para serem vividas: e vividas intensamente...
Em verdade, uma das coisas que mais me faz ficar deslumbrado nesses meus périplos pelo Velho Mundo são os seus rios. É gratificante navegar pelo Volga, pelo Vltava, pelo Reno, pelo Sena e pelo Danúbio.
Esses rios não só embelezam as cidades que eles banham como traduzem o carinho e o respeito que por eles tem o europeu. Posso até estar enganado, sabedor de que gente sebosa pode ser encontrada em qualquer parte do Planeta.
Mas se chega ao ponto de não entender Paris sem o Sena; Viena e Budapeste sem o Danúbio; Colônia sem o Reno e Praga sem o Vltava.
Meu hotel em Viena ficava à beira do Danúbio. Dava pra ver o interminável desfile de embarcações repletas de turistas, câmeras à mão, fotografando a beleza da cidade de Vivaldi.
Na manhã gelada - não sei se os termômetros marcavam mais de 8 graus - me pus a contemplar o vaivém dos navios, aplaudidos de perto por dezenas de pássaros que os sobrevoavam numa festa ininterrupta.
Pareciam querer dar as boas-vindas aos turistas, numa dança ao som da valsa de Strauss.
Ai, na minha janela vienense, me lembrei de dois dos nossos mais queridos rios: o São Francisco e o Tietê.
O Velho Chico, maltratado, está morrendo. As autoridades quando dele se lembram, é para mutilá-lo, mexendo no seu leito, para, com a tal da transposição de suas águas, beneficiar não os barranqueiros, mas os donos de terras situadas às suas margens.
Tiraram-lhe a possibilidade de ser um rio navegável. Hoje, só nos livros de história, aparecem as gaiolinhas do São Francisco, cujos apitos levavam os são-franciscanos às lágrimas, nos cais ribeirinhos.
O Tietê não é menos desprezado. Projetos e mais projetos surgem em todos os governos visando saneá-lo e lhe dar condições de navegabilidade. Pouco se conseguiu. Bem que ele podia ser o Sena ou o Danúbio de São Paulo. Mas o que se sabe é que, em alguns momentos, ele é o esgoto de Sampa.
Lindos rios brasileiros!
Tão lindos mas, de repente, rios que nos envergonham. Culpa deles? claro que não. Pela sua degradação, culpados somos nós.
Foto - Na Ponte Carlos, em Praga.