Escutar ou Ouvir eis uma questão?
Pois é, parece que ultimamente estamos mais ouvindo do que escutando. O tempo em si ou as informações que nos chegam de todos os lados não nos deixam muitas escolhas, se por um lado estamos apressados para fazer algo, noutro não temos interesses nas palavras proferidas ou nas conversas que estão sendo discutidas.
Esse tema sobre a escuta é bem tratado pela psicanálise, pois nós aprendemos a diferenciar a Escuta do Ouvir. Sabemos que nem tudo que ouvimos nos leva a uma escuta. A escuta é uma condição que nos remete ao exercício da introspecção e conseqüente reflexão sobre a fala que o outro incide sobre nós e nos deixa livre para compreender os sentimentos que estão em jogo naquela ação da palavra.
Precisamos observar em quais formas de recepção auditiva estamos mais engajados no dia a dia da vida. Tudo bem que no exercício da minha profissão a escuta é condição de suma importância para que eu possa compreender, analisar e ajudar as pessoas que eu atendo, mas na vida cotidiana de todos nós esse exercício pode e deve ser adotado como um lema das relações pessoais e do bom convívio com os nossos entes queridos.
Observamos que de modo geral nos vários seguimentos da vida estamos tomando caminhos contrários ao da escuta. No seio familiar, por exemplo, os pais já encontram dificuldades em tomar parte do seu tempo para escutar e discutir sobre a educação dos filhos e nem discutem com os próprios filhos sobre a educação deles, filhos. Nestes núcleos familiares a educação e o dialogo tem ficado cada vez mais precários. Um momento que poderia ser bem aproveitado para os encontros seria das refeições e todos sentados em volta da mesa, mas hoje os pratos ficam mesmo nas mãos, na frente da televisão e em qualquer lugar da casa. Por falar em televisão, cada um tem a sua no quarto, evitando deste modo à discussão sobre as preferências dos programas televisivos, sobre as divergências de idéias e o pior de tudo: esvaziando o sentido da palavra que é comunicar e fazer-se compreender a quem fala.
Um outro fator que nos chama atenção atualmente é que nem mesmo as pessoas querem falar para serem escutadas ou mesmo serem ouvidas. Interessante notar isto, pois parece que estão funcionando defensivamente contra a solidão que a realidade atual impõe a cada um. O tempo marcado pela pressa, pela impaciência e pelas frustrações de modo geral parece suprimir a necessidade natural do contato e do aconchego. Quando acontece o contato e o aconchego foi iniciado pelas necessidades físicas e não pelas espirituais ou psíquicas. Nosso cérebro muitas vezes se encarrega de fazer essa seleção: não ouvir o que se estar falando a nossa volta ou esquecer o que foi dito. Pura defesa contra o inaudito ou a indiferença em si.
Diga-se de passagem que a maior parte da nossa vida mais ouvimos do que escutamos. Isto porque a escuta requer sempre que o escutador esteja envolvido com o assunto ou com a pessoa que lhe fala, ou seja, é preciso ter um bom nível de proximidade ou intimidade com o material exposto, do contrário tudo ficará apenas no plano do ouvir.
Então parece que a questão é estabelecermos a seleção natural entre o que ouvir e o que escutar. Se déssemos “ouvidos” a tudo que nos chega abriríamos dentro de nós um fosso de sofrimento sem fim e bem sabemos que o principal intuito nesta vida é nosso bem estar físico e mental. E repetindo: o segredo da boa escuta está no envolvimento afetivo que você tem ou faz com a pessoa que está falando ou com a situação em si.
Graça Costa
Amparo, fevereiro de 2009.