Certas Sensações
Por estes dias, faz mais ou menos um mês, eu venho tentando tentado escrever um conto, e parece que ele vai ficar bem longo. Este comprimento não tem nada a ver com o tempo que está demorando para ficar pronto, até porque eu não escrevo todos os dias, como fazem os escritores de verdade. Está demorando porque eu quase não sento para escrever, mesmo.
Além de poucas vezes abrir o texto para trabalhar sobre ele, cada vez que eu o abro fico pensando em como são diferentes um conto e uma crônica (ou pelo menos isto que eu chamo de crônica).
Uma crônica exige uma idéia boa, uma inspiração, que tem que ser desenvolvida com habilidade e muita lógica, para não pecar contra a senhora. Coesão. A linha de raciocínio tem que ser mais intensa, porque se tem pouco tempo/espaço para explicar uma teoria, uma opinião.
O conto não dá muita abertura para que o autor exponha suas opiniões – para fazer isso ele precisa se fazer passar por um personagem, e aí fica difícil saber se o autor pensa como o padre ou como o pecador – , mas dá uma liberdade maior. Tanto na escrita da história em si quanto em termos de o autor ficar livre do texto. Não aquela liberdade sonhada por todo mundo que escreve alguma coisa, de poder dizer: ‘você está terminado, publicado, você é passado’. É uma liberdade mais simples mas não menos prazerosa: simplesmente poder se levantar da cadeira, ir ao banheiro, atender quem bate à porta, ou quem chama pelo telefone. Ás vezes parece mesmo ser necessário parar, dormir e recomeçar. Almoçar, assistir um filme e então editar um diálogo. Sair de casa, ver pessoas e ter idéias para incrementar personagens.
Numa crônica, se eu me desconcentro, parou, acabou. É como se eu estivesse transando e ouvindo música brasileira. Com a atenção dividida entre o áudio (Caetano ou Cazuza cantando ou pior, Caetano cantando Todo Amor que Houver Nesta Vida, ao vivo) e o vídeo ali, em cima, embaixo ou do meu ladinho, acabo broxando.
Mais complicado ainda (para mim, pelo menos) é começar a escrever, parar e tentar retomar aquele assunto no dia seguinte. É como estar numa cama, quase entrando na portinha do paraíso e ouvir o celular tocar. Você dá aquela olhada discreta esperando ver ‘Mãe’ ou o nome de um amigo, enfim, qualquer pessoa para quem você possa ligar depois e acaba vendo que é uma ligação importante.
- Peraê, rapidinho, meu amor.
Depois de desligar o telefone, quando a mulher já ligou a televisão e está de braços cruzados assistindo a novela, você volta para a mesma posição e pergunta:
- Era aqui que eu estava, né?
Não dá, não é? Pois é. Eu já deletei idéias razoavelmente boas e parei transas realmente gostosas simplesmente porque a cabeça divagou. Aconteceu neste texto, mesmo, num trecho que se perdeu pelo caminho das edições: parei para acender um cigarro e quando voltei… Sabe aquela sensação de ‘o que eu estou fazendo aqui’? Graças a Deus minha imaginação é boa, e consegui pegar o texto por outra ponta e aqui está ele, indo (os meus textos sempre têm muitas pontas soltas. Pode ser uma incapacidade de amarrar tudo no parágrafo final, mas é uma inaptidão muito útil, se bem utilizada). Também no sexo a imaginação fértil é muito útil.
Acho que eu deveria parar de escrever crônicas e passar para os contos. Além de eles nos darem mais liberdade, serem menos exigentes (como uma masturbação, comparada ao sexo), ser um Manoel Carlos macho deve ser muito mais rentável do que ser um Arnaldo Jabor…
Eu ia dizer "do que ser um Arnaldo Jabor melhorado" e ia me explicar completando com "não é pretensão, não. Jabor não é tão bom assim. O que aconteceu com ele é o mesmo que aconteceu com Elis Regina, por exemplo, com aquela voz feia mas razoavelmente potente. Era bonitinha, com uma personalidade polêmica que poderia fazer sucesso. Então a mídia promoveu. Jabor tem bastante cultura, sem dúvida, mas não tem nada de especial, como têm Machado de Assis ou Luis Fernando Verissimo, por exemplo."
Ia dizer isto mas preferi a sincera modéstia. Por enquanto.