Carta a uma protistuta

Alexandre Menezes

Querida,

Ao terminar de ler essa carta infelizmente estarei distante. É certo que minha sinceridade me impediria de iniciar desta forma, só que depois de tudo que me fizeste, não perderia a oportunidade de iniciá-la como nas narrações dubladas de filmes americanos e de chamá-la de querida. Adoro as caras de desespero...

Pagaria muito só para ver a sua reação ao caminhar pelo seu apartamento. Está um pouco diferente não é? Provavelmente não recorde, mas alguém muito especial para mim também acordou assim um dia. Não consigo esquecer da noite em que uma loira maravilhosa, além de se render as cantadas de um bêbado chato, topou facilmente ir para sua casa. Pois é, não sei com quantos foste assim, mas o idiota da referida noite era eu.

Fiquei muito envergonhado e mesmo assim foi à delegacia. Vi seu retrato no catálogo e fiz questão de não identificá-la para encontrá-la pessoalmente. Não sabe a quanto tempo espero o seu deslize. Dá uma raiva quando me lembro do delegado, que é meu amigo e fez questão de me atender, sorrindo ao relatar para o histórico da ocorrência um par de tênis. "Viu como a gente tinha razão desde a escola: pé de moça”... No exato momento em que ouvi isso decidi: ela me paga!

Não quero pagar o mal apenas com o mal e por isso te faço um alerta: sabia que só consegui chegar ao seu apartamento pela perda do seu padrão de qualidade? Você não é mais irresistível, continua bonita é claro, mas garota de programa desleixada uma hora acaba atendendo em local próprio. Ajudei muito para a queda disso. Sabe os diversos admiradores que te mandavam chocolates e guloseimas? Todos sou eu! Já que resolvi abrir o jogo, peço licença para ser indelicado – é que seu bucho quebrou – e mulher com bucho quebrado ninguém merece.

Se estiver na cozinha repare que o pacote de açúcar sumiu. Não é para ajudar na sua dieta, só resolvi guardar e o depositei no reservatório de óleo do seu carro. Alguns objetos de decoração e o microondas apenas os levei porque são meus. Deve ter reparado uma grande bagunça, desculpa, é que deu tempo para beber um pouco e perdi o controle. Esqueci que não estava em minha residência e, para te ajudar lembrar dela e de mim, sou o morador da casa em que a luz do banheiro tinha sensor de presença. Lembrou? Então me desculpe pela geladeira.

Com o tempo sentirá falta de algumas coisas e notará algumas modificações. Só levei o que me pertencia. Era muito importante recuperar as minhas coisas e que lesse essa carta, questão de honra, e, para evitar que a destruísse antes do fim, também a fiz em tela de serigrafia e, para que pudesse lê-la em qualquer lugar, estampei em todas as suas blusas, vestidos e em algumas paredes.

Depois do que me fizeste passei a ter insônia e por um lado até que foi bom. Acredita que me tornei artista plástico? Sabe que nessa fase inicial de criação o artista experimenta qualquer material. Fiz um painel enorme na parede da sua sala. Será uma obra única e exclusiva usei todas as suas maquiagens e como você só utiliza Lancôme, Dior e Crayon Lévres, comecei mal acostumado e não rebaixarei a qualidade da matéria prima. Pena que gastei tudo.

Sei que demorará um pouco para acordar. Fui bem orientado sobre o sonífero e a dose utilizada foi para uma vaca porque é assim que a vejo. Mas vou embora despreocupado porque um médico amigo garantiu que nem chega perto do que seria suficiente para matar. Minha preocupação com o horário em que irá acordar é pelo fato de sair sem me despedir, preciso ir sem olhar para trás, mas gosto de despedidas e, para quando terminar de ler, não sei se devo escrever bom dia, boa tarde ou boa noite para minha doce Cinderela às avessas, ou como meu avô diria: de revestrés. Com certeza, não fico por aqui.

Adeus.

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