Controle remoto

Recordo-me que desci aquela rampa e fui em direção ao carro estacionado em frente ao local. Eu tomara meu café, que foi modo escolhido de ganhar tempo, posto que estava adiantado para o encontro daquela noite. Diversas vezes passou pela minha cabeça a idéia de que ela desistiria. Acho que era desejo meu em fazê-lo. E depois descobri que ela pensara o mesmo, acreditando que por algum motivo eu declinaria. Creio que a desistência de uma das partes teria sido melhor, não fosse a lição aprendida por mim em noite tão chata. Espero que ela também tenha aprendido algo, mas que não seja a reafirmação de certas opiniões femininas sobre os homens.

Não cabe aqui deitar críticas a ela. As razões de seu silêncio e ausência guardava comigo alguma desconfiança. Tampouco irei discorrer a respeito delas aqui. O mais importante não são os motivos que a levaram a comportar-se de modo estranho. E talvez aquele jeito distante fosse e que se poderia chamar de normal da parte dela, trivial.

Sejamos honesto, eu também não estava lá tão bem. Sim, era suspeito para fazer avaliações. O meu aborrecimento, o motivo dele, era algo em mim. Um desagrado qualquer. Uma pitada de desamor. Alguma tristeza momentânea. Essas chateações que temos e não as admitimos tanto. Era de fato uma noite de encontro entre dois corpos, mas desencontros entre duas almas.

Desejei que desistisse do motel. Sim, eu apenas queria ir embora, ficar só, acabar com tudo aquilo. Se não o fiz, não faço idéia do motivo. Acho que dei mais voz à fantasia. E do fato consumado, subtraí não só a frustração garantida pela coisa idealizada, senão boa e verdadeira lição. Pode ser que você realize desejos, “sonhos”. Muito provavelmente se sentirá insatisfeito. Não verá significado algum. E estranhará que sua alma não vibre. Sobre este pensamento, carrego explicação nenhuma. Mas acho que já está explicado.

Às vezes a mulher coloca contas à mesa. E reclama da ausência do abraço, de um carinho que seja. É que se esquece das suas próprias contas. Não olha pra si, não se percebe e deixa de ver que contribuiu deveras para o jeito distante dele. Não, já deixara de haver clima. E o casal de adultos cerrou os olhos para a realidade. Ele sentiu-se culpado pelo “bom dia” que não deu. Por vestir-se rapidamente e apressa-la. Pelo silêncio de palavra qualquer que desse sentimento e beleza por aquela noite. E ela fez as cobranças, não eram as primeiras. Mas depois, a culpa que sentia passou, pois depreendeu que ambos construíram tudo aquilo.

Partiram e ainda a caminho era cobrado por um reencontro. Ela queria marcar algo antes que ele a deixasse em sua casa. Ele achava isto muito estranho, dada a chatice da noite anterior. Calculara que ela não desejava sair com ele de fato, mas que apenas não admitia ser “descartada” após uma noite de sexo, ainda que sem a intensidade necessária para que os corpos desejem novo reencontro. Mas ele já calculara que jamais voltaria a vê-la, o que já seria desrespeito demais por si.

Não olhou no espelho e se perguntou por quê. Em verdade, pouco pensou no assunto. Para ele estava bem resolvido. Naquele capítulo da cartilha da vida, a lição maior. Todo aquele desencontro de almas serviu-lhe para ilustrar o vazio de realizar certos desejos. Que a vida imprevisível é muito melhor. E deixar de lado certas buscas é jeito melhor de saborear acontecimentos. Idealizar, buscar, desejar, optar pela realização de fantasias é jeito certo de garantir frustração. No mais, no fim da lição, aprender é o modo belo de tornar tudo positivo. A vida realmente é caixa de surpresa, melhor não querer programá-la. Não há controle remoto