Cisma ao misticismo
Final de outubro, mês das bruxas. Numa crônica padrão eu exploraria a data em questão, falando sobre o halloween, a magia feminina, poções, feitiços e coisas do gênero. Começaria dizendo: "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay!" E talvez até gerasse uma boa crônica, não fosse por um detalhe: Eu não creio.
Bem que eu gostaria: Vejo a fé — em coisas abstratas, sejam elas quais forem — como um grilhão para a realidade; algo tão mais saudável, ou no mínimo confortável, que a constante dúvida que acompanha a minha natureza agnóstica.
Agnóstica é aquela pessoa que não afirma, nem nega a existência daquilo que não tem comprovação científica (como o místico ou sobrenatural). Em cima do muro? Talvez, mas respeitar a opinião alheia é um dever, discordar é um direito.
Que me perdoem Platão e Descartes a quem tanto admiro não apenas pelo legado que deixaram ao mundo, mas principalmente por mostrarem que pensando muito é possível encontrar algumas respostas sem enlouquecer primeiro (será? tomara!), mas desconfio que todo grande filósofo, cientista ou curioso, no fundo, no fundo, busca por algo que aplaque a imensa “fome do não sei” que traz consigo e que lhe traga sob dúvidas infindas.
Em meio ao meu próprio mar de dúvidas, decidi por deixar-me levar, mas de maneira organizada, como cartesiana assumida que sou! Pensei, pensei e como resultado de quem pensa demais andei em círculos, voltando ao ponto de origem: a razão do próprio pensar.
Ao menos foi assim que René Descartes ("Penso, logo existo"), dando continuidade ao pensamento de Aristóteles, acreditou ter provado a existência de Deus. Segundo ele, as dúvidas refletem a natureza imperfeita do homem na busca utópica pela perfeição. Conforme a relação de causa e efeito, as noções que se tem de incompleto, imperfeito e as próprias dúvidas, sugeririam necessariamente a existência de sua contraparte, ou seja: o completo, o perfeito, a origem das certezas — a que ele creditou ser Deus.
Os pensamentos seriam então fagulhas divinas que habitam em nós, ou em outras palavras, a alma. Assim sendo, pode-se dizer que uma maior ou menor compreensão de mundo equivale a um maior ou menor esclarecimento espiritual, o que não diz respeito à aparência, educação ou status social, é algo apenas sentido, pensado e, assim, sustentado. Dessa forma, não existe pessoa mais ou menos inteligente que outra. O que existe é um uso maior ou menor do imenso potencial igualmente presente em todos nós — e põe presente nisso!
Vivemos numa busca constante por respostas, independente daquilo que nos instigue. E onde encontrá-las? Pode haver métodos de procura, pontos de partida, mas não há uma fórmula que garanta a chegada: cada um encontrará as respostas que melhor o satisfaçam, no caminho que lhe parecer mais adequado. Alguns espiam os vizinhos, outros analisam seres diversos. Há quem prefira observar os astros ou ainda vislumbrar além! Mas poucos são aqueles que atentam à grandiosidade do microcosmo que representa. Ele pode ser tão ou mais complexo e encantador que qualquer universo alheio.
*Publicada no Caderno Mulher Interativa, Jornal Agora/RS, Out/09