DROGA DE DROGA!

[Crônica classificada pra coletânea Antologia Delicatta IV, editora Scortecci]

Fui a um show de Gabriel o pensador e ele cantou: “droga é aquela substância responsável por tornar a sua aparentemente mais suportável, confortável ilusão, parece liberdade, na verdade, é uma prisão.

A droga, a entorpecência sempre fez parte da vida dos humanos. Mas sempre havia um propósito. Nas festas dionisíacas, por exemplo, pessoas embebedavam-se de vinho, pois achava que a embriaguês eram os deuses possuindo-as. Os índios, as tribos africanas, as tribos orientais, sempre se entorpeciam em movimentos culturais e artísticos com danças e músicas para a manifestação irreverente dos corpos. Mas hoje a entorpecência e a embriaguês é usada para quem vive no ócio, pra quem quer ser motivo de chacota. O babaca vai lá se entorpece, fica muito doido, faz arruaça, só pra no outro dia se vangloriar que é invocado, escroto... Na verdade, o manezão!

Uma vez me chegou um conhecido, nem amigo nem inimigo, e me perguntou se eu queria fumar um back, cheirar um pó ou qualquer coisa mais pesada. Eu perguntei, por quê? Ah Mané, ele disse, pra você ficar doidão, curtir... Curtir... Viajar maluco, viajar! Ficar fora do mundo, ficar só no seu mundo. Transcender! Olha só... Transcender! É um despautério!

Ei compadre, eu disse, você já viajou nisso de drogas? Pra onde? Ele não soube responder. Disse apenas que viajou com ele mesmo, uma viagem pra lugar nenhum. Ah... Que viagem é essa?!

Exclamei com toda ira do mundo: Você não sabe o que é viagem, não sabe o que é ser doidão! Nem Mané você sabe ser! Quer viajar, quer ir para um mundo, mas um mundo mesmo, o mundo da entorpecência do sensato dos movimentos das emoções? Você já ouviu falar numa coisa chamada arte? Já leu um bom poema? Assistisse a uma peça teatral de tirar o fôlego? Já viajou num bom quadro? Amigo, com certeza você nunca escutou uma música daquelas em que seus pelos, inclusive os pubianos, arrepiam-se porque sua espinha do pescoço até o reto está gelada e você soluça com o estomago apertado e as lágrimas descem, descem!

... Ao menos vai aprender a ser Mané, pangaré!

A arte é a forma humana da entorpecência divina. É a embriaguês dos nervos. A viajem da emoção incessante.

Quer se drogar, viajar, ficar doidão? Experimenta uma forma artística. Você vai ver que a droga é uma droga mesmo e que a arte é a arte de se ter desconserto dos instintos e da mente.

... A droga tem medo da arte. A arte não tem medo da droga. Vence-a fácil, fácil! A arte dispensa a droga como a droga dispensa fácil o corpo humano.