Quer fumar quanto?
Esta segunda-feira, além dos itens de série típicos, como cansaço, céu cinza e mau humor, trouxe também, como acessórios de luxo, uma dor de garganta regada à própolis e um atraso no trabalho por conta do horário de verão.
Uma segunda-feira ideal para, ao final da labuta cotidiana, se tomar uma boa cachaça mineira ou se suicidar. Na dúvida, fui de Boazinha.
Segunda-feira, aliás, que antecedeu um sábado dedicado ao obscuro estudo dos conceitos subjetivos da subjetividade contida em si mesma. Subjetivamente falando, claro.
O evento, de caráter interestadual, tomou parte num dos estabelecimentos mais contundentes da capital paranaense: O Schwarzwald, que por motivos óbvios (principalmente a partir do terceiro ou quarto submarino), é conhecido como ‘Bar do Alemão’. Fica bem ali no meio do contraditório Largo da Ordem, não tem como errar.
Entre os diversos temas completamente aleatórios e extremamente pertinentes, discutiu-se também sobre a nova onda de proibição alucinada, benchmark da inquisição espanhola, que ocorre aos poucos, sorrateiramente, na ala curitibana do grande hospício chamado ‘mundo globalizado’.
Logo após a famigerada ‘Lei Seca’, o despropósito mais recente é a tal lei ‘anti-fumo’.
Áreas de fumantes serão, daqui a alguns meses, sumariamente extintas da capital paranaense.
Restarão como locais (com teto) para a prática desta modalidade apenas as tabacarias, os terreiros de umbanda, e os humildes lares dos fumantes, estes miseráveis.
Até aí tudo bem.
Afinal não estranharia se, pelo princípio da concisão, parte das leis em vigor fosse agrupada em apenas uma sentença, que seria algo como “É proibido se divertir” ou similar.
Ou ainda, de forma mais abrangente, que o princípio da legalidade fosse invertido, criando-se uma lista das práticas legais e presumindo-se a ilegalidade das demais por simples praticidade.
Enfim, a estupidez humana não me assusta mais. O que ainda me assusta é esse clima de ingenuidade coletiva que paira no ar.
São as discussões públicas acaloradas sobre temas sem pertinência real.
Explico com um exemplo:
A antiga lei municipal que dispunha sobre os locais de fumo era efetivamente cumprida?
O texto da lei antiga era ineficaz ou insuficiente claro a fim de proteger os não-fumantes do martírio da fumaça do cigarro?
A nova lei, ainda mais rígida aos fumantes, estes degenerados, será efetivamente cumprida?
Arriscaria dizer que as respostas seriam, respectivamente, não, não e não.
Posto isso, a única explicação plausível é que a idéia seja justamente super dimensionar a proibição do texto legal, já antevendo que o seu cumprimento será pífio.
Algo como obrigar sua filha a usar burca e não se aproximar de qualquer homem até os trinta e cinco anos, na esperança que ela ao menos não vire prostituta aos dezoito.
E foi com base nestes sólidos argumentos que, sob os auspícios de uma noite de sábado, fizemos um protesto nebuloso.
Num momento épico, já um pouco exaltados pelo fluxo das canecas, fumantes e não fumantes uniram-se, cada qual ao seu modo, para fumar como se não houvesse amanhã.
O cigarro escolhido foi um mentolado de embalagem bonita, pelo belo design da embalagem e por seus efeitos expectorantes, notoriamente benéficos à saúde, ou não.
Entre a penumbra esfumaçada do ambiente, era possível distinguir vários estilos de fumar, que iam desde o ‘estilo gerencial’, jeitoso e sóbrio (nem tão sóbrio), até o estilo ‘Preto Velho’, conhecido internacionalmente como ‘Old black guy smoking style’. Este último pouco elegante, porém extremamente eficiente no propósito de espalhar fumaça no ambiente.
E foi assim que, de forma bizarra e por alguns poucos instantes de uma noite de sábado, a fumaça incomodou, espantou os demônios da imbecilidade e trouxe um leve gosto da boa e velha liberdade.
A mesma liberdade que, segundo Lênin e a prefeitura municipal, de tão preciosa que é, deve ser cuidadosamente racionada.