Carta a um suicida.
Alexandre Menezes
Caro Mané,
É bem verdade que sei que o seu nome não é Mané, é que me acostumei a chamá-lo assim carinhosamente. Não tenho certeza se essas minhas palavras chegarão ao destino desejado, mas vou tentar. Seu amor – ela mesma, a mulher com quem você se casou - quase entrou em parafuso com sua morte. Acredita que já participei de coisas incríveis devido a esse descontrole de vocês? De certa forma, gostaria até de agradecer. E olha que ainda nem foi rezada a missa de um mês em intenção da sua morte.
Conhecemo-nos no seu velório. Mera coincidência. Na realidade, eu estava na capela errada. Acredito que deve saber que essas coisas acontecem quando vamos ao enterro de quem a gente não conhece. Pela minha conta de e-mail, fui comunicado sobre o falecimento de um irmão do meu chefe e tive que ir. Sabe como é que é? Velório, muita gente, não conhecia os parentes e amigos do morto, óculos escuros, a viúva, e que viúva. Parece até estranho, mas como ela estava bela e atraente de luto.
Sua esposa não parava de perguntar para o seu cadáver os motivos da sua decisão trágica. Rapaz, você era querido, tinha tantas pessoas desesperadas que confesso ter me emocionado com as palavras tão bonitas ditas a seu respeito. Está certo que todo mundo fica bom e é perdoado no dia do sepultamento, mas isso é detalhe. Com tantas crenças misturadas, descobri pelos comentários, não sei até hoje se ficará a espera de julgamento, se está no purgatório, vagando pelo vale da sombra da morte ou se aguarda uma oportunidade para encarnar a qualquer momento e prestar contas. Amigo, não sei onde tu foste parar.
Alguém comentou sobre médiuns. Lá mesmo, sua amada decidiu procurar um para tentar contato, mas tinha medo de ir só. Acredita que todos ali demonstraram medo ou afirmaram falta de tempo para acompanhá-la? Mané, não suporto ver uma mulher chorando e ofereci ajuda. Apesar de não freqüentar e nem imaginar como é que funcionavam, lembrei-me que no caminho para a minha casa havia dois centros espíritas e resolvi unir o útil ao agradável: ajudar uma pessoa atordoada e matar uma velha curiosidade.
Após me agradecer e aceitar seguimos juntos no cortejo, trocamos telefones e você foi para a cova. Durante a semana me encarreguei de descobrir como é que esse contato poderia ser feito. Não entendi direito, mas fui encontrá-la na sua missa de sétimo dia e, no dia seguinte, a busquei na sua casa, e que casa, e fomos ao centro porque sou um homem de palavra. Apesar de tudo ser tão tranqüilo ela ficou bastante assustada e decepcionada. Acredita que o médium não conseguiu conexão contigo? Não psicografou, o espírito não baixou, sei lá mais o que e, da forma que entendo, só posso dizer que o download não foi possível. Não abaixou nada.
Desde a primeira noite ela ficou bastante impressionada com as coisas que presenciou e ouviu durante as tentativas. Como não tiveram filhos e ela não tem familiares na cidade tive que dormir na casa, ou melhor, no quarto que, a exemplo de qualquer outro de casal, não tem cama auxiliar. Que bom gosto, quase tudo perfeito. Decoração perfeita, cama perfeita, mulher perfeitamente maravilhosa... Só não consigo acreditar quando ela fala que sempre foi carente poque você não a dava muita atenção e parecia não desejá-la. Duvido que essa história de ter tirado todo atraso dela do último ano em apenas uma semana seja verdade.
Fomos a vários centros todos os dias durante três semanas. Acredita que você não aparece para ela nem em sonhos? Então achamos melhor desistir e agora resolvemos fazer outras coisas. Amanhã, após a missa em memória de um mês que não está mais entre nós, faremos outra homenagem: “beberemos o defunto” ,mesmo atrasado, com direito a DJs, banda de pop rock e com a presença dos meus amigos e amigas que passaram a freqüentar sua casa. Camarada, adoraram a área de lazer, os jardins, a piscina, o espaço... Afinal, não é qualquer pessoa que tem uma casa num terreno de 10 mil metros quadrados e que chamamos carinhosamente de clubinho da deliciosa.
No dia do seu enterro, eu fui o único da empresa que não estava na capela do irmão do chefe. Apesar de ser o cara que manda, ele é bastante legal e ficou um pouco chateado comigo. Como as coisas mudam... Acredita que após convidá-lo para administrar seu patrimônio e suas empresas ele me perdoou rapidinho. Fique tranqüilo, é uma pessoa bastante competente e honesta e afirma que rapidamente multiplicaremos tudo. Você não perderá nada, muito pelo contrário, inclusive aquela viagem que você havia programado para a Europa, uma espécie de segunda lua de mel, conseguimos remarcar e eu embarco daqui a 15 dias com a viuvinha.
Mané, não contei a ela sobre esta carta porque parece não querer mais saber do seus motivos: acho que ela se conformou ou aceitou, sei lá. Porém, acho que você precisa saber dos nossos esforços para falar contigo e para cuidar de tudo que construiu. Essa última tentativa é por minha conta. Já que você é de difícil acesso, fiz um acordo com os médiuns e pai de santos que conheci: não sei qual é o nome certo, mas pedi para que eles fizessem uma espécie de upload espiritual e mandassem, em forma de spam, essa carta para todas as redes e contas possíveis dos lugares onde você possa estar. Caso receba, peço que responda porque quem receber a sua resposta me encaminhará.
Para terminar, apenas sugiro que, na hipótese de conseguir reencarnar e ter possibilidades tão boas como as que teve nessa vida que não aproveitou, faça um pouco diferente, mais ou menos como eu estou fazendo. Não sei se um morto pode aprender alguma coisa, mas afirmo que aprendi muito contigo e até o considero meu amigo mesmo sem tê-lo conhecido em vida. Daqui para frente não me correspondo mais. Pode ser que não ache correto ou não pense igual a mim e se zangue, mas vou aproveitar as coisas que você construiu e com a sua mulher o tempo que eu puder ou enquanto eu for feliz. Não sei se a nossa relação durará até o dia do meu velório e, caso dure, poderei até ser um defunto sem luto como você foi, mas será difícil alguém pensar que eu não soube aproveitar. Graças a Deus que caixão não tem gavetas. Ah! Já ia me esquecendo: acho que ela está grávida.
Abraço e espero não encontrá-lo tão cedo.
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