Ônibus de novo?

Hoje acordei tarde porque ainda não me habituei ao horário de verão. Para agravar a situação, cheguei à casa muito tarde vindo da comemoração do aniversário de um primo no Rio de Janeiro. Chovia torrencialmente ontem e eu passei por todo aquele aguaceiro. E sem previsão (nem do serviço de meteorologia e nem de que iria ao Rio à noite). Estava eu escrevendo quando recebi um telefone da minha mãe avisando que eu fosse comer um pedaço de bolo com meu primo e minha tia. Terminei de escrever uma crônica, que já publiquei e onde prometi escrever esta que vocês estão lendo agora. Troquei de roupa e saí. Como não possuo automóvel, tomei um ônibus até Niterói a fim de embarcar em outro coletivo rumo ao Largo do Machado. Tão logo entrei no ônibus na Estrada Niterói – Manilha (trata-se de um dos trechos da BR 101 para quem não é do Estado do Rio e queira saber), lá pela altura do bairro da Boa Vista (realmente de lá se tem um vista belíssima para o fundo da Baía da Guanabara emoldurada pela Serra dos Órgãos e pelo Monte Itaúna – um vulcão adormecido de São Gonçalo), começaram os pingos grossos de chuva a embaçar o vidro. Estava sentado do lado direito do carro, aliás, como sempre faço quando rumo ao Sul da BR, a fim de ver o mar. O que via era simplesmente uma cortina d’água muito espessa. Além dessa cortina, um tapete por onde o ônibus passava. O veículo cortava a lâmina d’água e fazia crescer na lateral uma onda que batia nessa cortina de chuva e formava como o perfil de um livro aberto em ângulo de 90 graus. Que comparação! É que vivo sempre pensando em livro a ponto de vê-los até na água. Imagine livro de água. Já publiquei um conto chamado “Páginas d’água” em Petrópolis. Tudo (ou quase tudo) é possível aos que têm boa vontade de ler e de escrever literatura. Na realidade, qualquer imagem é pretexto para eu imaginar alguma coisa em termos de arte. Água por ser amorfa então, é um prato cheio.

Por falar em prato, já estava esquecendo do motivo da crônica. Era falar do bolo do aniversário do meu primo. Imaginem que sabor deveria ter. Era de chocolate na massa, cobertura e recheio. Havia também uma torta de maçã com cobertura de suspiro. O verdadeiro pecado da gula apossou-se de mim. Atrás dele veio a avareza. Por isso não reparti com vocês. Não quero que se sintam culpados por comer doces. Daí oferecer água. É mais valioso e saudável. Daqui a cinqüenta anos estará valendo mais do que o ouro.

Chega de falar de água e de desviar o assunto. É que prometi contar coisas ocorridas no ônibus e não estou lembrando de nada interessante. Tentei mudar o assunto para o bolo de aniversário. Acabei confessando minha predileção por doces. Volto agora ao verdadeiro motivo de iniciar este texto: o ônibus. Meu Deus, o que vou escrever. Não posso mentir. Não aconteceu nada de anormal que merecesse um relato. Esperem aí! Estou escrevendo uma crônica, não? Então não preciso dizer de coisas mirabolantes e altamente relevantes. Basta pinçar algo do cotidiano e escrever de forma a despertar a atenção dos leitores para algo considerado banal. Então eu tenho do que falar sobre o ônibus. Vamos ao próximo parágrafo (uma saída para o texto manter-se coeso).

Traí a confiança de vocês eu sei. Mas não foi por nada do que disse até agora. Foi porque tomei uma van invés de um ônibus. É o equivalente em tamanho menor por isso embarquei e pensei que não houvesse problema fazer isso. Se vocês ficaram chateados, podem falar (ou melhor, escrever). Juro ler a bronca com os dedos livres do teclado. Foi realmente uma fraqueza de quem quer chegar logo ao destino. E como tudo coopera com os bem intencionados, perguntei se o itinerário compreendia o Largo do Machado. Informaram-me que sim. Sentei-me calmamente sem esbarrar em ninguém, sem bater com a cabeça na porta. Sem sofrer com o ar condicionado ou com a poltrona desconfortável. Tudo correu bem até que, logo assim que o veículo saiu do Túnel Santa Bárbara, fiquei em dúvida se realmente iria passar pelo Largo do Machado. Perguntei ao motorista, que para variar não me ouviu, sobre o itinerário da va (diga-se de passagem, não sei porque alguns motoristas não nos ouvem sem antes termos de repetir umas duas vezes e outros presentes ao lado deles repetirem em tom de voz alto o que desejamos). Uma passageira informou-me que não passava pelo Largo do Machado, mas que passava sim pela Praça José de Alencar (realmente ficam próximas – pelo menos geograficamente – na Literatura nem tanto). Eu disse que havia recebido a informação de que passava pelo Largo do Machado antes de embarcar (eu perguntei duas vezes). O motorista e outro passageiro ao seu lado disseram que nenhuma van passava pelo Largo do Machado. Eu retruquei que havia perguntado antes e que não era obrigado a saber disso por isso perguntei. A passageira, muito solícita e educada, me disse para saltar na Rua Conde Baependi e caminhar a pé. O passageiro vizinho ao motorista disse: “Vai andar só cinqüenta metros”. Fiquei quieto e, quando chegamos à Conde de Baependi, a passageira rapidamente disse ao motorista que parasse o carro para eu saltar. Agradeci a ela e segui o meu caminho pensando porque as pessoas não podem dar informações precisas. Quando embarquei não poderiam ter me informado que passava próximo e não exatamente onde perguntei e que eu poderia caminhar até lá. Mas não. Em nome da prática e da famosa pressa (injustificada porque o veículo estava parado e continuou assim depois que entrei), prestaram-me uma informação pouco esclarecedora. Ainda por cima ficaram chateados porque eu reclamei. Se a senhora não pedisse para eles pararem, realmente passariam do ponto e eu teria de caminhar mais ainda da Praça José de Alencar até o Largo do Machado desnecessariamente. Eu senti que eles iriam avançar com o veículo. Vingança infantil porque eu reclamei. Conclusão: cheguei ao meu destino, mas sem antes refletir sobre as relações humanas. A quantas andam a gentileza e a polidez? Parecem artigos de luxo. Uma lástima.

Acabei por falar mal dos condutores de veículos e não disse nada que justificasse o título. As vezes penso sermos ótimos críticos do trabalho alheio e não do nosso. Desculpem-me, leitores. O itinerário da crônica foi alterado sem aviso prévio. Infelizmente não deu mais para voltar e nem para reembolsar o valor da tarifa.

Esperem aí. Tenho de sair agora para resolver alguns problemas familiares no centro de São Gonçalo. Vou de ônibus.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 20/10/2009
Reeditado em 11/06/2010
Código do texto: T1877040
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