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A Minha Quarta E Derradeira Crônica



        Deviam criar a ACA, Associação dos Cronistas Anônimos, muitos seres viventes iriam assim como eu se livrarem do malgrado vício de xeretarem a vida alheia, enquanto esta patologia ainda me aflige, mesmo aflito, escrevo esta quarta e derradeira crônica, porém, na esperança de que amanhã eu poderei exclamar enchendo o peito: hoje estou limpo, ainda não xeretei!

        Não existe ser mais intrigante do que o demasiadamente econômico, digo, econômico mesmo, o pirangueiro de doer, daquelas pessoas que fazem feira em etapas, dois quilos de tomate na promoção da segunda, a carne na promoção da quinta, e o papel higiênico na da terça, levam sua própria sacola para pedir o desconto da sacola plástica e ainda por cima não largam os encartes de outros supermercados torcendo para que encontrem um preço ali menor para exigirem o mesmo preço cobrado, esse é fácil em achar nos grandes supermercados, basta dá uma olhadela em busca de pessoas de havaianas azuis, com uma caneta bic sem tampa na mão rasurando estes citados encartes, com aquelas sacolas de pano xadrez coloridas nos braços,caneta sem tampa, pois, costumeiramente estas são usadas para tirar enormes quantidades de ceras do ouvido, pirangueiro não compra cotonetes, ali estará um autêntico mão fechada.
        Estando na casa de um, logo irás perceber, sempre terá uma ou duas pilhas na geladeira para dar carga, uma bola de sabonete multicolorida formada por resquícios de sabonetes de meses anteriores no lavábel e um forte odor de naftalina impregnando todo o ambiente, pirangueiro jamais usa aerosol com aroma de rosas, a naftalina é sensacional para este tipo de criatura avarenta, pois, além de entranhar o ambiente também mata possíveis insetos evitando assim a compra de inseticida, creme dental só é desprezado após verdadeiras cirurgias com faca de cozinha cascavilhando se no interior do mesmo ainda há algum sinal de vida, se fores claustrofóbico jamais retorne na casa de um deles após as seis horas da noite, pois, irás ter a sensação terrível que estás trancafiado dentro de um enorme guarda-roupa, escuro e com forte odor da repulsante naftalina.
        O paraíso deste tipo de gente são essas recém criadas lojas de R$ 1,99, não convide pirangueiros para seu aniversário e nem muito menos o inclua em bingos, pois, se assim o fizeres terás que com um sorriso amarelo se contentar com aquelas tristonhas flores de plásticos para enfeitar a sua sala, ou possivelmente com aqueles mal acabados porta retratos com fotos de revistas por dentro, se o convidares pra teu aniversário não terás escapatória, quanto ao bingo, com muita torcida e sorte se livrarás em ser agraciado com tais maravilhosos e bregas souvenires.
        Um domingo desses me deparei com um ser de havaianas azuis dentro do supermercado, com uma caneta bic semi seca e sem tampa e um daqueles encartes dependurado no bolso, estava resmungando muito e com um olhar muito angustiado, com um forte odor de naftalina misturado com fundo mal lavado, ao me aproximar entendi o seu tão comovente drama, estava comprando pilhas novas, sabonetes e creme dental, a raiva entendi, quanto à angustia e ao cheiro, ao me indagar acerca daquele possível acometimento, recordei que era domingo e que papel higiênico é só na promoção da terça, vida de pirangueiro tem destas coisas...
O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas)
Enviado por O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas) em 20/10/2009
Reeditado em 23/10/2015
Código do texto: T1876317
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