UMA ESMOLA PELO AMOR DE DEUS!
Certa vez com fome, me bateu uma vontade em devorar um filé de peixe, regado ao molho branco. Abro o armário e só me resta uma lata de sardinha já vencida. Abri e comi assim mesmo sem nem esquentá-la. Afinal, o bujão de gás houvera acabado por culpa de tantos ovos fritos. A dor de barriga foi inevitável... enfim, o que é a humanidade a não ser senão uma cólica que sempre finda numa caganeira de misérias na cabeça da felicidade? Não entendo porque o homem menospreza tanto o que come, mas contempla demasiadamente a fese de seu ventre: ele sente apenas a vontade de comer e o desejo imenso em fazer-se de privada; sorri quando defeca no solo o qual comerá seu próprio corpo!
Nós homens somos seres que nos preocupamos pouco com nossa fome. Fazemos a feira do mês, mas só comemos baboseiras. Compramos nosso arroz, feijão, frutas e verduras, mas chega o fim de semana tomamos café da manhã num motel vagabundo qualquer matando a segunda fome de nosso sexo. O que mais desejamos é irmos em um restaurante, almoçar a beira mar, jantar fora... Sem falar que todos os dias já fazemos isso: tomamos café na padaria da esquina, almoçamos no primeiro self-service ao lado de onde trabalhamos e jantamos a sopa rala do botequim sujo de algum bairro boêmio, de alguma periferia em tiroteio ou na padaria granfina ao lado do condomínio semi-luxuoso (bem semi mesmo). Enquanto isso, as frutas nas nossas geladeiras apodrecem, o arroz do nosso armário perece na sua validade ultrapassada e os pães em cima da mesa de jantar endurecem feito pedra. O mendigo grita lá de fora: “ô de casa, uma esmola pelo amor de deus”. Respondemos com ar de arrogância pela aparente perturbação do esmoler: “perdoe, infeliz!”
A classe média é uma classe cômica: sustenta com migalhas a classe baixa, e com fartura, sustenta a elite, que por sinal, não dá esmolas a seu ninguém! Na terra do nunca, todo país sub, com cara de babaca e que só vive com a medalha de bronze no busto, a classe média se acha alta só porque está um simples degrau a mais da pobreza. Santa idiotice! Amarga insanidade!
Pra vocês que vivem entre o desejo e a vontade, fiquem com os versos do poeta potiguar Henrique Diógenis:
O sangue que corre e ferve
Está entre a vida e a morte,
Entre a ardência e a frieza do corpo,
Entre o declínio e a ascensão da alma.
Sem tráfico;
Com tráfegos de paixão!
A vida é uma forma de se surpreender:
Inclusive a morte!
Surpresas são sempre criminosas,
Ou matam pelo prazer,
Ou matam pela vontade...
O que seria da paixão se não fosse o desejo?
O que seria da vida se não fosse a morte?
O que seria do prazer
Se não fosse a vontade de vivê-lo
E o desejo de matá-lo?
Toda forma de prazer
É a hora errada de se morrer feliz!
Todo a música que se ouve sorrindo
É a vontade de cantar chorando!