Registro Indiscreto

Registro Indiscreto

Estamos em tempo das festas de fim de ano. A ausência de um objetivo no trabalho, que nos castiga com frustração quase permanente, ganha algum colorido pela força contida nessas duas festas: Natal relacionada ao mais feliz e alegre dos eventos naturais – o nascimento; e Ano Novo relacionada ao mais permanente dos sentimentos humanos – a esperança.

Como espécie de compensação ou de fuga a esse sentimento de frustração, procuramos preencher o “ócio compulsório” com algumas atividades: escrever; estudar; ler; e observar aqueles com quem convivemos, para tentar conhecê-los um pouco mais. O conhecimento é indispensável para a criação de laços, bem como para separações conscientes.

Nessa atividade de observador, dedicamos um tempo maior aqueles que nos parecem mais interessantes. Esse registro é indiscreto, pois não tem o consentimento do companheiro com o qual convivemos desde o tempo de nossa admissão na empresa.

Uma de suas características que mais chama atenção é o ar de “cachorro raivoso”, criado no caminhar pela vida, como uma espécie de proteção a uma enorme sensibilidade e a um doentio medo à rejeição. Os porquês, nem imaginamos. Continuamos indecifráveis como nossa origem esfingética...

Acabamos de saber que escreveu uma cartinha às crianças da Creche, como resposta a um cartão de Natal assinado por uma criança.

Sabemos que seu atual momento está marcado por perdas recentes: perda do convívio diário com o grupo de trabalho que chefiava, do qual se tornou um profundo admirador; e o falecimento de sua mãe.

Já escutamos seus aplausos ao trabalho profissional realizado pela Creche, bem como comentários exclamativos com relação a algumas “tias”.

Nosso pensamento é que esse rascunho sobre o autor e o cenário que o envolve esclareçam o teor da cartinha enviada às crianças da Creche, o objeto maior deste registro:

ÁS CRIANÇAS DA CRECHE

Por não gozar da liberdade e espontaneidade das crianças não tenho capacidade para responder com um cartão tão lindo como o feito pela DÉBORA.

Entretanto, todo o pessoal da divisão e eu estamos aproveitando a oportunidade para expressar um pedido, que há muito está guardado em nossos corações: Crianças nos perdoem.

Nos perdoem: pelos acidentes ecológicos; pelas guerras; pelas crianças abandonadas;pela arbitrariedade; pela mentira; pela violência; pela intolerância; pela incompetência; pela incapacidade de amar.

PERDÃO por uma série de outras coisas feias como as anteriores, que só foram possíveis acontecer porque nos tornamos gente grande.

Agradecemos e retribuímos os votos de FELIZ NATAL e um ANO NOVO com a esperança de que no decorrer do próximo ano, as crianças de todo planeta decretem:

NENHUMA CRIANÇA PODE TORNAR-SE GENTE GRANDE

Caso as crianças tiverem dificuldades em entender, o que não acreditamos, temos certeza que, como sempre, as Tias da Creche darão um jeitinho.

Apesar da indiscrição do registro, o espírito das festas de fim de ano, mesmo as promovidas pela empresa onde trabalhamos, consegue demonstrar, que temos o dever de conservar e fortalecer a criança que vive em nós

J Coelho
Enviado por J Coelho em 18/10/2009
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