BARULHOS EXISTENCIAIS

Por Carlos Sena


Pelo sim, pelo não, sim. Pelo sim, a vida nua, despudorada, para que eu possa me deitar despido das mais dignas vaidades. Para que eu possa me deliciar no conjunto de finitudes mais imediatas e, devagarzinho, juntando meus pedaços; para me desfazer dos preconceitos incutidos na infância quando tudo não podia e quando eu pensava que sim era feio e que Deus castigava; para que eu deixe de me "viajar" no imaginário noturno dos limites que me impuseram como verdade absoluta; para que eu me deite igualmente sem roupa e irrompa o infinito dos anseios que o desconhecido deixa. Pelo sim, a vida doida e varrida pelas desilusões atávicas do sonho de uma noite de verão, enquanto lá fora a chuva rega os destinos errantes de um sonhador. Pelo sim da vida, o direito de ser feliz a esmo - assim mesmo: ao léu, como quem chuta a lata na areia da praia disfarçando abandono, mas se encantando com o barulho do mar, querendo que ele entre pra dentro da lata. Positivo é tudo que nos conforta por entre os sins e os senões, fazendo das palavras palavrões, das varas, varões, para que tenhamos uma prole proletária no latifúndio dos nossos desejos mais simples ou mais complexos.
Adianto o meu relógio no horário de verão e verão não será mais das andorinhas. A solidão que proíbe as andorinhas, não me proíbe da reconstrução dos tempos da vida. Como no futebol, parecem dois tempos existenciais que se perdem na lógica antológica que correr atrás de uma só bola deixa: muito a jogam e a poucos é dada a oportunidade de marcação do gol da vida em seus princípios elementares. Como a vida, a bola em seus dois lados: o de dentro e o de fora. Como a bola, o tempo tem dois lados: o da noite e o do dia, pelo sim que o dia faz no reluzir dos diamantes; pelo não que a noite diz, no atalho da mão boba que busca o corpo atrevido da pudica pessoa que nos cerca.
Pelo sim deste sábado, os neons cintilam em cada canto da avenida, enquanto meus anseios de badalação caminham em cada poste, apostando no sucesso das aventuras noturnais que o sábado acasala.
Adianto o relógio no horário de verão, mas não adianto meus tormentos insaciáveis de felicidade contida, enquanto o divã do psicanalista canalha não me dilacera em vão. Lavo as mãos no dilema de Pilatos, enquanto lavo pratos na pia pela total incapacidade de lavar a alma grande, diferente daquela alma que o poeta diz valer a pena, desde que não seja pequena.
Adianto os ponteiros da vida! O rosto já não esconde os sulcos das pegadas do tempo, enquanto meus cabelos cheios de prata, não condizem com meu bolso sem nenhum grama de ouro. O ouro está no arco-íris que a vida me concede a conta gotas, no varejo dos destinos que não consigo determinar, exceto neste texto sem contexto pela necessidade imperiosa de irromper o silêncio dos meus incontáveis barulhos existencias.
Assim, "Sossega, Carlos. Hoje é domingo, amanhã é segunda e na terça-feira ninguém sabe o que será", já dizia Carlos Drummond, segundo me foi informado.

Carlos Sena - csema51@hotmail.com