REMINISCÊNCIA PATERNA
De todas as lembranças que tenho do meu velho pai(que Deus o tenha), a que mais me acompanha é a cena atípica onde ele recusou desmanchar um serviço de pedreiro que ele acabara de executar. Considerado que era um profissional de mão cheia, ele procurava, inconscientemente, fazer tudo como escreveu o egrégio Dom Hélder Câmara: “TUDO O QUE SE FIZER TEM QUE SER BEM FEITO. DESDE PILOTAR UMA NAVE ESPACIAL ATÉ APONTAR UM LÁPIS”. Então, à priori, ele procurava agir dessa maneira para que não precisasse se arrepender depois e muito menos ser preciso alguém lhe chamar a atenção por algo irregular ou mau feito. Portanto, acima de tudo, procurava sempre agir com responsabilidade, não necessariamente procurando ser um perfeccionista, que incluisve, não tinha a menor ideia o que fosse isso. Vamos aos fatos.
Naquele tempo, era costume da nossa e outras famílias carentes da nossa cidade fazerem compra, usando uma caderneta para anotar tudo e pagar,posteriormente, quase sempre no final de cada mês. Pois bem, coincidentemente, certa vez o dono de uma mercearia, justamente onde a nossa família comprava fiado, agindo dessa maneira citada, precisou de um serviço e contratou o meu pai. Ele não tinha como recusá-lo. A princípio, por conhecer o caráter e temperamento dúbios daquele comerciante, minha mãe não gostou nada daquela contratação. Mas ele não levou isso em consideração e começou a fazer o tal serviço, que consistia em fazer uma calçada. E aceitou, segundo o próprio, por falta de opção, pois apesar de precisar dos favores do dito cujo, também não gostava muito daquele senhor rabugento e ranzinza.
O serviço só demorou uma semana. E justamente no último dia aconteceu o imprevisto. Quando eu cheguei ao local com o almoço, percebi que os dois homens estavam com os ânimos um tanto exaltados. Jamais tinha visto o meu pai tão sério e nervoso. Como a sua hombridade estivesse em jogo, ele falava firme que a tarefa já havia terminado. Mas, pelo visto, o autoritário comerciante demonstrava descontentamento com algum detalhe final da obra, chegando ao cúmulo de exigir que o meu pai desmanchasse o serviço e o fizesse novamente. Então foi aí que ouvi a frase a qual jamais esqueci:
-“Olha aqui, se você quiser mandar desmanchar esse serviço que agora terminei, que procure outro pedreiro. Pois eu nunca fiz isso e não é agora que vou fazer. Não sou nenhum moleque irresponsável e muito menos um aprendiz qualquer. Faça o favor de me respeitar!”
A discussão terminou aí. E se duvidar, aquela fatídica calçada continua até hoje do mesmo jeito que meu velho pai construiu, cujo serviço foi pago normalmente, mesmo descontando em folha da nossa compra registrada na caderneta. Só que, após esse contratempo, aquelas pequenas compras foram sendo feitas em outro ponto comercial. Mas é assim mesmo: Quando o homem fecha uma porta, Deus abre duas...
João Bosco de Andrade Araújo
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