DOM QUIXOTE NO AR

DOM QUIXOTE NO AR

Marcos Veloso

Um sujeito talentoso, antes de tudo. A vida, o destino, o jeito do cara, ou todos esses fatores levaram a que esse pernambucano da Paraíba exercesse seu talento nas pequenas comunidades onde sempre viveu, trabalhando como ferroviário na “vida civil” e exercitando a chamada multimídia no teatro, jornalismo, poesia e outros afazeres do espírito, em cidadezinhas parecidas com aquelas descritas por Gabriel Garcia Marques no “Cem Anos de Solidão”, comunidades que tiveram o privilégio de conviver com a luz desse criativo artista, mas o impediram de ser notado nos chamados grandes centros, onde muitas mediocridades são exaltadas, às vezes sustentadas apenas pelos caprichos da chamada indústria cultural. Mas, isso é outra história...

Tive o prazer de conviver com esse libertário, antes de tudo pela nossa resistência comum à ordem estabelecida, mas o que conseguimos sublevar mesmo foram algumas proibições convencionais, tipo ações impuras e reprováveis no sentido de fundar um sindicato de raparigas em pleno sertão, ou montar uma peça de teatro escrachando os militares e os padres, em pleno apogeu da “gloriosa” de 64, o que nos rendeu uns inquéritos em nome da “segurança nacional” e a danação do bispo.

No final da década de 70, Fábio Mozart entrou em longo romance com as amplas possibilidades ideológicas relacionadas às ondas do rádio, o que os ativistas das rádios livres chamam de reforma agrária no ar. Quando eu comecei com essa mania de tentar democratizar o espaço da rádio freqüência, ele já estava na área. Embora eu seja um radialista popular não praticante, juntos geramos e parimos muitos projetos nesse setor, a maioria abortada, muitas idéias ficaram pelo caminho, mas o que restou mesmo de concreto foi a nossa amizade. Fábio Mozart é daquelas pessoas que têm a noção exata da convivência com seu semelhante, um amigo que realiza nos atos do dia-a-dia a prática de suas convicções éticas.

A resistência desse guerrilheiro é feita de muitas batalhas em várias frentes. Na radiodifusão comunitária, o cara faz história, sempre na busca de dar oportunidade ao povo de ser sociedade, de exigir viver com dignidade e com justiça. O rádio popular feito dessa forma é uma ferramenta do desenvolvimento do povo, um canal por onde viaja dialeticamente o processo de educação das pessoas. É com esse rádio que sempre sonhamos. No entanto, esse tipo de emissora tem sua imagem arranhada pela picaretagem que domina o meio. Louvo a luta de Fábio Mozart e mais alguns outros para fazer rádio com bons propósitos. Sua luta pela construção de uma radiodifusão comunitária decente passou a ser um ponto de referência na escrotidão que domina o meio. Conheço safado metido em rádio comunitária que já tem até rede de emissoras, controladas por ele em nome de laranjas.

Com Fábio aprendi muita coisa, inclusive ousadia. Ele enfrenta o que for necessário para deslanchar seus projetos. Qualquer cidadão que tenha a veleidade de fazer parte de uma sociedade minimamente justa, reconhece em Fábio Mozart um batalhador da civilidade. Mas sem nunca deixar de perturbar as “elites”, que não abrem mão de privilégios seculares, entre esses o monopólio da comunicação. O microfone na mão do povo, portanto, é um ato revolucionário nesse começo de terceiro milênio, na guerra contra as novas gerações de mando e poder que controlam esse país, onde grandes tragédias como o analfabetismo, o desemprego e a fome ainda estão presentes. A imensa tragédia da imbecilização em massa, levada a cabo pelas TVs e rádios comerciais, talvez seja a mãe de todas as outras mazelas sociais que infelicitam o nosso povo. É contra isso, basicamente, que luta a rádio comunitária defendida por pessoas como Fábio Mozart.

(Prefácio do livro DEMOCRACIA NO AR, de Fábio Mozart)

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 17/10/2009
Código do texto: T1871116