Queridos Professores
QUERIDOS PROFESSORES
Sempre gostei de professores. Sou filha de uma professora e antes de entrar na escola já eu assistia a aulas com enorme prazer. Achava aquele ambiente muito agradável.
Entrei para a pré-primária com cinco anos e recordo-me da estranheza que senti ao deparar-me com a maioria das outras crianças a chorar naquele primeiro dia. Parece que ainda oiço a minha colega Sandra que chorava de forma peculiar: uivando como um lobo.
Era um externato particular, no Restelo, que os meus pais pagavam com certo sacrifício que acreditavam trazer a recompensa de uma educação de excelência.
A Tina foi a minha primeira professora. Era uma moça simpática, loura, que leccionava naquele colégio enquanto tirava uma licenciatura em psicologia. Não tinha a menor aptidão para ensinar. Mas pintava desenhos muito bem. Cheguei à terceira classe quase sem saber ler nem escrever. A minha sorte ficou a dever-se aos rapazes da turma. Eram tão traquinas e mal comportados que todos os dias se envolviam numa pancadaria monumental. A Tina tentava em vão separá-los conseguindo apenas ser pisada nos seus pezinhos delicados. "Ai,ai,ai,ai" Era a frase que mais recordo dela, em voz rouca, antes de sair a correr para fazer queixinha ao conselho directivo. E lá vinha a directora que bastava entrar para põr tudo em sentido. As coisas estavam tão negras que na quarta classe contrataram uma nova professora que vinha da escola oficial. Estava connosco de manhã pois à tarde pertencia à escola pública da Junqueira.
A Dona Laurinda ensinou-nos tudo o que deveríamos ter aprendido até então, o que era suposto aprender naquele ano e mais ainda. Foi o melhor ano da minha infância! Ganhámos o gosto pelo trabalho intelectual que é de extrema importância e que ela bem sabia ter de se adquirir em tenra idade. De tarde tínhamos a Tina que mais não fazia que olhar para nós enquanto afincadamente fazíamos os trabalhos que a professora a sério nos havia deixado. E não havia tempo a perder com lutas. Era sempre a bombar. Chegávamos a casa e ainda tínhamos o que sobrava. A Dona Laurinda era uma professora de excelência.
Quando cheguei ao ciclo dei-me conta da única lacuna do meu ensino primário: a poesia. A minha professora de português estava a fazer estágio. As suas aulas eram assistidas pela sua orientadora de modo que eram programadas ao pormenor. De facto eram aulas muito boas. Mas a Dona Laurinda não tinha um pingo de sensibilidade poética dentro dela e eu não estava preparada para aqueles enigmas. Foi grande o esforço mas um dia, foi como se um candeeiro se tivesse acendido num quarto escuro e tudo se iluminou na minha mente. Ainda sei de cor muitos dos poemas que li naquele ano, no meu manual escolar. Nunca mais parei de ler e de escrever desde então. Foi talvez uma das professoras que mais me influenciou na vida e uma das poucas das quais o nome não me recorda.
Todos os professores de português que tive mereciam um Oscar por extrema dedicação ao ensino, capacidade pedagógica, motivação dos alunos e sensibilidade para a literatura. Demonstraram-me que a nossa língua é de uma beleza extraordinária e a nossa literatura das melhores do mundo. Posso fazer igual testemunho acerca dos professores de matemática, de ciências e de físico-química. Quando chegou a hora de escolher fiquei dividida entre as letras e as ciências. Foram os médicos que me davam aulas de saúde e socorrismo que fizeram pender a balança. A medicina fascinou-me. Os virús, as bactérias, os diagnósticos, os tratamentos e principalmente as histórias que eles iam contando das suas próprias consultas com os doentes, deixavam-me em delírio. Era surpreendente saber que os médicos retiravam corpos estranhos do anús dos pacientes e faziam apostas uns com os outros sobre a marca das garrafas de cerveja que mais frequentemente eram usadas. As descrições dos partos, as aventuras nas urgências onde tudo podia acontecer e por isso era preciso estar atrás de uma secretária que pudesse servir de arma arremesso em caso de defesa, enfim, tudo me estava já a chamar para o exercício clínico.
Por coincidência uma das minhas professoras de saúde veio a ser durante muitos anos minha médica de família no centro de saúde da minha residência. Foi a Dra. Inês que me receitou a minha primeira embalagem da pílula após as análises recomendadas.
Entrei no curso de medicina veterinária na Universidade de Trás-os-Montes de Alto Douro (UTAD) e em boa hora o fiz, pois tive o privilégio de ter acesso a uma formação excepcional. Como era o segundo ano de funcionamento do curso ainda eram poucos os docentes residentes. Foi pedida a colaboração de um grupo de professores espanhóis que mudaram radicalmente o meu preconceito histórico em relação aos "nuestros hermanos".
O excesso de veterinários em Espanha é tão dramático que os docentes universitários são a nata da nata destes profissionais.
De todos eles vou mencionar os três eleitos: Professor Villar de Anatomia que desenhava órgãos no quadro com giz de cor e com as duas mãos ao mesmo tempo com perfeição de artista; Professor Montoya, o maior cardiologista do mundo e o Professor Bengoa que ensina animais exóticos de uma maneira ultra-radical.
Mas sem dúvida que foram os portugueses que me deixaram mais saudades.
O Dr. Carlos Pinto que era o único capaz de encher uma sala às oito da manhã de segunda-feira para suas teóricas de patologia médica. Mesmo gaguejando insistentemente e coleccionando saliva aos cantos da boca, ninguém perdia uma pitada do que dizia. E acompanhávamos as suas saídas de campo sempre que podíamos. Era um verdadeiro mestre.
O Dr. Francisco Neto, docente de parasitologia: uma máquina! Aquilo era uma rapidez a falar e debitar informação ao mesmo tempo que desenhava ciclos de vida de parasitas estranhíssimos que mais pareciam aulas de ficção científica. Para além disso tinha uns olhos verdes lindíssimos. Eu que por timidez evitava fazer perguntas nas aulas, em parasitologia estava sempre de dedo no ar.
O Professor Guedes Pinto, docente de Genética era uma personagem excêntrica. Diziam que era casado com uma mulher muito feia que nunca cheguei a ver. Mas nunca mais esqueci uma frase que numa aula proferiu em tom de sabedoria: " as mulheres feno tipicamente menos dotadas têm encantos que as outras desconhecem". Parece que nutria pela sua mulher uma paixão assolapada. Para além disso amava as suas cadelas Bassets de longas orelhas compridas uma das quais se chamava Anita. Não sei se era por isso que simpatizava comigo. Estudei com tanto entusiasmo que tirei uma nota alta e por isso fui contemplada com uma oral para defesa de nota que me fez estudar tudo novamente em poucos dias no final do ano quando precisava do tempo para passar a outras cadeiras menos apelativas. Pois mesmo assim aquele exame foi um enorme prazer e lá mantive o meu dezassete a Genética.
Deixei para o fim o mais importante de todos os meus professores ao qual dedicarei um texto único, noutra ocasião, pelo peso da sua importância na minha vida: o professor António Borges, docente de filosofia e de psicologia do ensino secundário. Um grande professor e um grande homem.