SÉRIE CRÔNICAS DA MADRUGADA - 02 (O Elitismo da Miséria)
Desde os primórdios da sistematização sociológica especialistas têm falado na mais cruel e despercebida das ditaduras: a ideológica.
O Brasil é o mais notável exemplo dessa realidade em todo o globo terrestre. É bem verdade que ao se falar em ideologia presume-se um apanhado cultural que costumeiramente lhe precede e fundamenta; coisa impensável num país tão carente de educação básica como o nosso. Contudo, em se tratando da nação brasileira, essa é uma realidade implícita, imposta por valores conspirados, fruto de um processo histórico colonialista e escravocrata, onde se destaca um nefasto complexo de casta nitidamente visível, ainda que pouco abordado.
A crise cultural brasileira, a meu ver, nasce da própria concepção de cultura que temos por aqui, muito mais associada a um vislumbre folclórico e festivo do que á obtenção de conhecimentos aprimoradores e científicos. Evidentemente, essa distorção é fomentada e patrocinada por setores capitalistas e conservadores mal intencionados de nossa elite dominante, contando, inclusive, com o apoio cooptado de muitos intelectuais de plantão, o que justifica e explica as altas somas investidas em grandes festas populares, em detrimento do descaso para com as garantias de cidadania a que todos temos reais e legais direitos.
Um dos mais deploráveis legados desse panorama é o modo distorcido com que se encara a relação de classes no Brasil. Aqui, por exemplo, se estabeleceu uma suposta concepção de inferioridade do profissional para com o seu empregador, que faz aberto e arbitrário uso de seu poder de demissão, gerando uma espécie de “escravidão branca” e legitimada, numa franca afronta ao que de fato deveria ser, isto é, uma simples relação de permuta de interesses, regida por regras estabelecidas.
Aqui o ônibus, o trem e o metrô são signos da pobreza de um povo que sonha ostentar um carro de luxo pelas largas avenidas metropolitanas. Em países desenvolvidos, porém, os sistemas de transporte público são largamente utilizados por todas as esferas sociais, sem nenhum prejuízo à autoestima de quem quer que seja: coisa impensável por aqui.
Nessas bandas, também, a candidatura a um cargo público requer o pertencimento prévio á elite dominante, caso contrário a própria massa oprimida não lhe confere credibilidade.
Não obstante, o Brasil vê com os olhos preconceituosos o homem excluído, e – pasmemos – quem o vê assim é predominantemente outro homem excluído!
Não sendo suficiente, a inclusão arbitrária em nosso inconsciente coletivo de que os cidadãos desse país não podem ultrapassar seus horizontes, exceto se os homens forem jogadores de futebol e as mulheres comerciantes de seus corpos na Europa, ainda temos que suportar o descaso para com a própria grassante indignidade – aquela mesma, que leva os filhos da nação a abandonaram seus barracões e suas panelas vazias, para escancarem seus risos desdentados nas passarelas carnavalescas, enquanto, simultaneamente, a burguesia contabiliza seus lucros decorrentes, ao mesmo tempo em que estrutura a manutenção de seu imperialismo.
Quem sabe no dia em que o pobre tiver a luz de que desde que esse país foi invadido ele continua sendo explorado e devastado pelas elites, lhe seja então possível perceber que em meios aos seus iguais pode ser que haja uma alma confiável e que a pobreza é doença que maltrata, porém o conformismo é doença que mata!