BRINCANDO DE TILE
As nossas brincadeiras infantis sempre enveredavam pelo mágico universo do além imaginado, transubstanciando-se nos sonhos mais dourados e impossíveis. Se não tínhamos nenhum cão, caçávamos como qualquer gato, caso faltasse pão seguíamos o conselho da extinta rainha francesa que foi guilhotinada durante a Revolução Francesa, e comíamos brioche rsrsrs, só que não. Gostávamos de inventar brincadeiras novas e inovar nas já tradicionais para não cair na rotina.
Havia um jogo bastante interessante do qual a meninada do bairro gostava muito de participar chamado "tile", brincadeira essa não sei por quem foi inventada nem por que se tornou conhecida por esse nome esquisito e certamente sem o menor sentido. O tile consistia de algo bem simples, mas que nos atraía sobremaneira por ser divertido. Os jogadores traziam de casa a própria pedra para derrubar o tile, normalmente redonda e lisa para deslizar suavemente na areia ou no barro. Muitos de nós passavam dias procurando nas imediações uma pedra com essas características, e quem possuísse uma assim tinha mais chance de ganhar o jogo, se bem que para isso também havia a necessidade de boa dose de habilidade e mão certeira.
Geralmente tile era jogado em dupla por ser mais prático, e cada jogador precisava estar munido de dinheiro para apostar e arriscar, podendo ganhar ou perder ao fim do jogo, como é óbvio. Esse "dinheiro" da garotada não era, claro, papel moeda de circulação autorizada pelo Governo, evidentemente, ou seja, nada de dinheiro oficial, tratando-se, na verdade, das embalagens de cigarro Hollywood, Minister, Continental e outras. Convencionou-se que a embalagem dos cigarros Minister seria a de maior valor por ser difícil de encontrar, e a de cigarros Continental a de menor valor porque a maioria dos fumantes só comprava dessa marca, sendo fácil encontrar grande quantidade dela pelas calçadas e no chão das ruas. Juntávamos, então, um monte dessas "cédulas" para apostar no jogo de Tile, sendo "rico" aquele que tinha muitas notas de Minister e tantas outras de Hollywood, estas porque ganharam o status de mais valorosa depois da de Minister.
Os torcedores ficavam em derredor dos jogadores apoiando, aos gritos, o de sua preferência e tentando de todas as formas lícitas atrapalhar seu contendor. O tile vinha a ser um pedaço de madeira retangular mais ou menos do tamanho do taco antigamente usado para revestir o piso das casas. Em não havendo algo da espécie, usávamos qualquer objeto semelhante em substituição, até mesmo uma pedra ou qualquer pedaço de pau com as mesmas proporções ou equivalente. Colocado na posição vertical e apoiado por uma base de areia ou barro, ficava a cerca de quatro metros dos jogadores. Estes, posicionados da melhor maneira possível, começavam o jogo.
Antes, quem dos dois fosse mais esperto gritava: "eu sou o derra!", isto é, o "derradeiro", normalmente o segundo jogador, a fazer a jogada, que nada mais era do que atirar a já mencionada pedra lisa e redonda na direção do tile visando derrubá-lo e, desse modo, vencer a partida. Ser o último a jogar dava melhor idéia ao jogador sobre o ângulo, a posição e quão próxima do tile ficara a primeira pedra atirada caso não o tivesse derrubado e da velocidade a ser usada com vistas tanto a pô-lo abaixo, se houvesse chance, quanto a chegar o mais perto possível dele para fazer a próxima e melhor jogada, normalmente a que decidia o jogo. A pedra que estivesse mais próxima do tile dava direito ao seu dono de jogar novamente, oportunidade que lhe permitia, com certeza, derrubá-lo e, por conseguinte, ganhar a competição e receber o "valor" estipulado da aposta em "cédulas" de embalagens usadas de cigarros, já referidas.GilbamarGilbamar
Não sei se nos dias atuais as crianças ainda jogam tile, nem mesmo se brincam como outrora aquelas divertidas brincadeiras infantis, a exemplo do próprio tile, tique, esconde-esconde e tantas outras. Talvez não. É claro, estou seguro de que não sabem o que estão perdendo.