FÉRIAS
Venho pra falar dos trabalhadores mais explorados, abusados e injustiçados de toda a história da humanidade. Se me permitirem, venho até com um pouco de hostilidade.
Venho pra propor rebeldia, sem nenhuma folia, mas pra chamar a atenção pra vergonhosa covardia.
Venho pra reivindicar o reconhecimento de algum direito ou (consciente de que são tão imprescindíveis a ponto de não poderem simplesmente ficar livres) o direito mínimo a um descanso ao menos, vital para qualquer laboro eficiente e decente.
Nem preciso de muitos argumentos, basta o mínimo de bom senso, afinal, nada e ninguém consegue trabalhar incansável e ininterruptamente uma vida inteira, mesmo o melhor e mais dedicado profissional. Ora, é absolutamente natural! Nem mesmo a tecnologia foi capaz de criar máquinas que não precisem de uma recarga ou de um alimento que lhes garanta o refazimento para encarar uma nova jornada laboral.
Pois eles, os ora representados, trabalham assim. Sem parar. Trabalham de olhos fechados ou abertos, tanto faz. Trabalham alheios aos momentos de lazer de tudo e todos que os cercam, chegam a assisti-los mas sem jamais interromper o ofício, levando-nos a pensar talvez em uma determinação tanto quanto contumaz.
Trabalham em feriados. Durante a madrugada. Trabalham até nos momentos mais fantásticos ou quando os corpos se estendem em leitos confortáveis e sonham os mais lindos sonhos. São implacáveis. E nos momentos mais impróprios, quando recolhidos na intimidade, quando esvaziam ou preenchem seus estômagos, suas bexigas, seus intestinos e nos momentos mais fúteis, vazios, enfadonhos. Trabalham sem parar. Sem trégua. Sem nenhuma compaixão. E com esmerada dedicação. Cansou? Eu também. Que contradição!
Imagino que estas informações, causem indignação em qualquer pessoa com o mínimo de senso de justiça ou comoção. E imagino qual não seria o espanto ao tomar conhecimento que eu e vocês, todos nós, somos diretamente responsáveis por tal escravidão e que ainda temos a audácia de protestar sem pensar e não entender quando eles, incomensuravelmente cansados, não agüentam e simplesmente enguiçam. Mas quando isso acontece, aí sim todas as atenções se eriçam.
Sim, venho para cometer a incoerência de defender aqueles que também são escravizados por mim, e ainda penso que defendendo-os, quem sabe, contribuo para outros da mesma forma exauridos e explorados impunemente e assim abrando essa minha culpa crescente e bem demente.
Venho, então, para gritar por uma mísera folga para os explorados, esgotados e maltratados, mas não esquecidos. Quase vestindo uma toga, venho para representar as trabalhadoras MENTES e os malfadados CORAÇÕES, reivindicando direitos mais do que merecidos. Estou convencida.
Desculpem-me, mas não considero prepotente me autonomear porta-voz destes tais desprotegidos, afinal eles já deram todos os sinais de pedido de socorro, esgotaram seus meios de comunicação. Só me sinto, portanto, atendendo a uma solicitação e respondendo-a com firmeza. Falo, assim, pelos meus e pelos seus, com certeza.
Com isso vislumbro um momento que seria perfeito, quando dir-lhes-ia que tiveram sua dedicação e seu esforço reconhecidos, que se tranqüilizem e trabalhem em paz, pois quando se sentirem assim esgotados ou enfraquecidos, poderão interromper seus trabalhos e simplesmente descansar, sem nenhuma tarefa, nenhuma cobrança, nenhum gasto de energia, nenhuma providência irrequieta, podendo, assim, se autoesvaziar, ainda que por poucos minutos, recarregar sobretudo.
Sugiro, portanto, correr a oferecer-lhes esse descanso, antes que descubram-se escravizados ao extremo e se rebelem por si, requerendo eventuais férias e até uma (que seria infinitamente problemática) greve geral ou ainda pior, que entendam que já é chegada a hora da aposentadoria, de ir à forra e gritar vitória afinal e então, de carrascos ditadores, assumiremos, na marra, nossa dependente posição que nada tem de valentes ou autosuficientes feudais senhores mas tudo de inconscientes e inconsequentes exploradores. Não seria uma tremenda de uma barra?
Se servir para alguma providência transmito-lhes minha experiência contando que, aos meus, garanti os intervalos e que deles até já recebi alguns regalos. Alguns em forma de raciocínios limpos, resultados acessíveis e prazeres mais desfrutados, outros através de meros sorrisos vivos, amizades insubstituíveis e olhares mais valorizados.
Se houve convencimento, não percam tempo, concedam-lhes esses momentos, não haverá arrependimento! Se não houve, ao menos minha consciência diminuiu seu tormento mas, por vocês, me perdoem, só lamento!