O dia que me roubaram a praia

Quando eu tinha uns sete anos minha madrinha me convidou para passar a semana do natal acampando na praia. Eu nunca havia acampado antes, então tudo me parecia misterioso e ótimo. Minha mãe relutou bastante, disse que onde já se viu uma filha passar o natal longe da mãe? Nem ao meu pai ela concedia isso! Depois de muita conversa e de minha madrinha jurar por tudo que é mais sagrado que me traria de volta antes do ano novo, minha mãe cedeu.

Antes da viagem me chamou à parte, fez recomendações: que eu fosse boazinha, que não ficasse pedindo as coisas pois já tinha recebido o convite, que tivesse muito cuidado com o mar... Que obedecesse!

Quando vieram me buscar, minha mãe suspirou como se eu estivesse sofrendo um sequestro consentido. Ainda não sei o que a motivou a permitir minha ida. Não tenho certeza se foi confiança, afinal ela e minha madrinha se conheciam dos tempos de adolescência quando curtiam rock e seus afins... Aos 17 anos minha mãe engravidou, casou, nasci, escolheram dois amigos para padrinhos, mas batismo mesmo só aos meus cinco anos.

Chamava-se Loira, a minha madrinha. Diversas vezes questionei minha mãe sobre o nome dela... Eloisa! Isso! Era Eloisa, mas Loira combinava tanto que logo eu esquecia e ficava Loira mesmo. Minha mãe agora era mulher de família, tinha três filhos, não se dava mais à aventuras. A Loira mantivera o espírito hippie e mesmo casada e mãe de um filho uns três anos mais novo que eu, ela queria acampar na praia em pleno natal enquanto a maioria das famílias comuns se reuniriam festivamente.

Fomos de ônibus, até hoje amo viajar de ônibus por causa da paisagem, mesmo que isso me custe enjoos terríveis. as malas maiores e a barraca ficaram no bagageiro, enquanto as bolsas menores ficaram conosco. Uma das coisas de que mais gostei foram as paradas... No meio da paisagem verde, da serra sugiam lugares grandes, onde podiamos comer, ir ao banheiro e esticar as pernas. Acho que para evitar minhas curiosidades não desci do ônibus, o marido da Loira foi comprar algo de comer para nós.

Ao chegarmos em Boiçucanga percebi que havia algo de errado! Minha madrinha e seu marido conversavam baixo, mas apreensivos, reviravam o bagageiro, falaram com o motorista e logo veio a explicação: Fomos roubados!

Eu não entendia... Roubados? Do quê? Então minha madrinha me disse que na parada alguém abriu nosso bagageiro e levou tudo: barraca, fogão de duas bocas, bojão de gás e a comida. Por sorte dinheiro e roupas estavam em nossas mochilas, não levaram nada do que era meu, mas eu me sentia como se tivessem me roubado a semana. E agora? Não íamos mais acmapar? Não vamos mais ver a praia?

Minha madrinha disse que depois que fossem à delegacia e fizessem o B.O. nós iríamos passar a tarde na praia e voltaríamos pra casa... Fomos para São Lourenço, colocamos as roupas de banho e eu fiquei a contemplar aquele mar que não seria meu... Desde criança eu sofro por antecipação, não consegui curtir plenamente a praia por pensar que logo teria de ir. Não me lembro quanto tempo ficamos, mas para meu relógio de criança foi muito pouco, eu não levaria nem uma marca de bronzeado para casa!

Creio que dormi na casa da minha madrinha e no outro dia ela me levou cabisbaixa pra casa. Minha mãe nos recebeu espantada, questionou o que aconteceu... Dadas as explicações minha madrinha conversou um pouco e foi embora. Certamente ela estava arrasada, perdeu muita coisa de valor, mas também sentia ter me decepcionado.

Minha mãe, igual a mim, não conseguia esconder suas emoções. Suspirou fundo e me abraçou: Minha filha não vai passar o natal longe de mim! E sorriu de um jeito que até hoje me faz pensar que aquele ladrão era amigo dela...

Tatizinha
Enviado por Tatizinha em 15/10/2009
Reeditado em 03/11/2009
Código do texto: T1867196
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