A MOÇA QUE ROUBAVA LETRAS

Havia uma moça que só lia os livros dos outros nos transportes coletivos. Bastava ver um livro aberto, que o rabo do seu olho saltava em direção a leitura alheia, roubando as letras e se deliciando com a leitura perigosa, afinal, a qualquer momento, o dono do livro poderia mudar de página.

Já tinha lido quase todos os livros de vampiros que viraram moda; evitava os livros espíritas – quem leu um, leu todos – e sabia que bastava ler um trecho dos clássicos para já valer o livro inteiro.

Um dia, ao notar que uma senhora abria um “Ulisses”, ela correu na direção da leitura; mas percebeu que alguém havia chegado antes dela. Era um rapaz que aparentava ter a sua mesma idade. Ficou irritada, não gostava de ter competição. Ele nem notou que ela desceu na estação seguinte furiosa.

Quis a Lei das Coincidências aliada a de Murphy, que ela sempre encontrasse esse rapaz em todos os vagões que ela entrava. Um dia, ao perceber que estava sozinha, respirou aliviada e avançou os seus olhos num Dom Casmurro, lido por um senhor de Cartola; porém, antes que começasse a ler sobre Capitu; o trem parou e o rapaz entrou, vendo-a lendo o livro que estava na sua lista. Ele se aproximou; ela ensaiou dizer poucas e boas; ele perguntou: "posso ler com você?" Ela deixou. O homem da cartola sorriu e continuou a ler calmamente, mesmo tendo notado que dois pares de olhos roubavam a sua leitura.

Eles se apaixonaram, casaram e hoje seus dois lindos filhinhos roubam trechos dos Harry Potters de seus amiguinhos nos coletivos.