O PROFESSOR NUNES
 
 
       Os dois primeiros anos de engenharia eram básicos e todos os colegas estavam juntos em todas as aulas.
         No terceiro ano, cada aluno escolhia a especialização preferida: os engenheiros civis, os eletricistas, os mecânicos, os geógrafos, os que preferiam estradas. Aí se separavam formando turmas de suas especialidades e, cursaríamos os últimos três anos no aprendizado da profissão escolhida.
         Foi quando tive que enfrentar a Física, algo completamente desconhecido pra mim e não fazia sentido, pois eu ia ser calculista de concreto armado. Aliás, também tinha a Química que eu detestava, e pior ainda, aula prática de Motores. Nossa! Detestável. Eu que ria e desenhava, lia e escrevia, papeava e namorava não conseguia ouvir a explicação do funcionamento dos motores. Era um professor insuportável com um assunto intolerável. Repeti aquela matéria e só passei no ano seguinte por decoreba. Até hoje não sei nada de motores. O professor era um velho de voz arrastada e uniforme, monótono, eu quase dormia e, por mais que ele indicava um motor de carro seccionado verticalmente, para se ver por dentro os cilindros e pormenores eu não me detinha nele. Só esperava a aula acabar para sair livre daquilo. O professor nunca conseguiu prender minha atenção. Amarguei dois anos repetidos naquela má experiência.

        
     Com a Física temi que fosse parecida, não via ali nada de interessante, mas tínhamos que cursar tudo, todas as matérias. 

     Chegou o dia da primeira aula de Física.
     Sentei-me na primeira fila, o que sempre gostava de fazer desde o Grupo Escolar. Bem defronte do quadro negro e do professor. Eu era ávida de aprender, e esta curiosidade me acompanha a vida toda.

         Chega o professor, o famoso Professor Nunes à sua mesa, uma bancada, e se põe bem defronte a mim. Além da fama, era temido na nossa ENE, o tal do Professor Nunes. E por isso eu estava curiosa, que tinha ele de tão temível. 

          O Professor Nunes tinha uma aparência tão suave, seus gestos, seus olhos serenos e inteligentes percorriam a sala, conhecendo seus alunos no primeiro dia.
     Para ele aquilo era importante também, ver as caras jovens à sua frente, e como lhes passar seus conhecimentos. Todo professor ama sua profissão, eu acho. Seu aspecto físico era de um homem pequeno e passava nobreza, meia idade, simples, calmo, acho que ele deixava fluir amor pelo assunto, pelos alunos, pela vida se desenvolvendo ali naquele momento, e tudo que ele iria passar aos universitários naquele ano; devia ter já tudo elaborado pelos seus anos de experiência. 

     Eu logo gostei dele. Cabelos quase brancos e pele lisa. Mãos pequenas e tranqüilas.  Nem sorria, o sorriso era interior e saia pelo olhar.
Transmitia segurança e autoridade. E muita simpatia, era muito doce.


      Fiquei na expectativa, só olhando, e nada de temível encontrando. Ele chegou e não falou logo. Deu um tempo para ver e para ser visto.
     Silêncio.
     A turma toda bem comportada e serenada.

     E pegou um botão de rosa belíssimo de cabo longo que estava sobre a bancada e ainda não notado, e o suspendeu no ar, mostrando aos alunos. Sobre a bancada havia um cilindro longo de vidro cheio de um líquido. Com voz boa de amor e de ator, disse:
     “Este cilindro contém nitrogênio em estado líquido, a uma temperatura de menos -270o centígrados. Vou mergulhar esta flor nele.”
      E assim o fez, virou a haste do botão de cabeça para baixo e mergulhou todo no cilindro. 
      Com silêncio total generalizado na sala e todos em suspense, esperamos como hipnotizados, um pouquinho tempo.

       Em seguida, retirou o botão e suspendeu na posição vertical.


       E, para nossa surpresa, vimos a haste e botão cristalizados. 

       Deu um peteleco neles e se espatifaram como cristais no ar e caindo pelo chão.
         Magic! Parecia um caso de amor! Encantamento. 

       Num segundo ele conquistou a minha atenção e o prazer de aprender nos três anos seguintes tudo da Física. 
          Ele era maravilhoso. 

         Era um professor! Sabia e tinha autoridade de ensinar, e conquistou a todos na sala. Ele nos fazia mais inteligentes.
         Essa era a fama dele, ele era um Professor maravilhoso.

ESTA HOMENAGEM AO PROFESSOR NUNES É TAMBÉM  UMA   
         HOMENAGEM A TODOS OS PROFESSORES