Desafia o Nosso Peito à Própria Morte!

- GOOOOOOOOOOL!!!

O grito rouco, pronunciado por comentaristas que mais torcem do que narram, distorce o que entendíamos como favoritismo. O belo cruzamento, seguido do impulso determinado e com velocidade suficiente para explodir a multidão, não pertence a nós. Aliás, há tempos o conjunto de jogadores milionários não é controlado pela atropelada multidão canarinho. Comissões técnicas, eretas em majestosas poses, espumam teimosia em seu esquema tático e açoitam, transpirando autoridade, qualquer súplica da nação por mudanças. Agrava-se ainda o fato dos contratos publicitários vitalícios garantirem o sucesso financeiro dos jogadores, mesmo que acompanhado do fracasso futebolístico.

A quem devemos reclamar? Aos nossos sonhos, estufados de maneira ingênua sob perspectivas erradas? Talvez devêssemos culpar a nossa falta de ideais, que tenta sugar do evento esportivo a cura para a nossa falência patriótica. Ao menos temos quatro anos para pagar nossas caríssimas camisetas oficiais.

- ...DA FRANÇAAAAAA!!!

Au revoir Brésil! Tornamo-nos bilíngües da derrota de gosto amargo e impotentes perante o adiamento da revanche. Confiamos nos heróis que disfarçaram suas identidades no momento decisivo. Escondemos nossas fraquezas e suspiramos uns aos outros:

- Tomara que ninguém perceba nosso jogo vazio e desordenado!

- Não se preocupe! Brasileiro sempre “dá um jeitinho”.

O jeito esperto, ostentado em discursos sem lógica e multiplicado pela herança órfã de cultura, mostrou-se falho em dimensões internacionais. Concordo que o condicionamento intelectual brasileiro não é a causa da nossa eliminação esportiva. No entanto, a falta de habilidade para lidarmos com as derrotas, supostamente ganhas, proclama a depressão ideológica quando o choro escorre. Somos quem defendemos ou somente aceitamos passíveis ao ballet da concorrência?

Je ne sais pas...

Assistir ao apoio desesperado dos olhares dilatados nos minutos finais, em uma inútil tentativa de empurrar a bola, fez-me fraco. Gostaria realmente que os sofredores de lágrimas únicas entendessem que “a vida continua”. Melhor, assimilassem que o sucesso dos seus passos independe do berro “sou hexa!” para que se concretize. Quando nos tornarmos donos de nossas vitórias aprenderemos a falhar.

Horas depois da derrota que rasgou do peito a vitória prometida, recebemos em casa a triste notícia do falecimento de um amigo da família. Diferentemente da seleção, lutou com invejável força contra um câncer que, por mais invencível que parecesse, era encarado dia após dia como mais uma etapa vencida. Esse era o espírito! Durante sua recuperação, dizíamos que “a esperança é a última que morre”.

Cheguei a acreditar que no primeiro dia de julho deste ano, a esperança, contrariando a lógica, havia morrido duas vezes. Mas pensando bem, seria injusto comparar a inesgotável vontade de viver de nosso amigo com uma seleção que já nasceu de luto.

C´est fini.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 03/07/2006
Reeditado em 03/07/2006
Código do texto: T186623
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