COMPARTILHANDO UTOPIA

lisieux

(para vc, Herodes)

Tenho vários amigos na Net. Em quase cada canto do país, tenho uma pessoa especial que se tornou presença marcante no meu coração. Que se instalou nele, feito sem-terra, feito posseiro e ficou fazendo parte de minha vida...

Um destes amigos lindos é o M... Carioca, advogado, casado, três lindas filhinhas. Inteligente, amável, bem-humorado, mordaz... Adoro conversar com ele. Adoro trocar idéias, contar piadas, relaxar depois de um dia cansativo. Adoro chorar as mágoas com ele...

Mas, ele é medroso... Morre de medo de se deixar envolver. Morre de medo de se relacionar. Não telefona, não me deixa saber o seu nome completo. Um encontro? Nem pensar. E eu gostaria tanto de abraça-lo.

Acho que ele tem medo de sofrer. Pela distância ou pelo inusitado da relação... Ele diz que somos “namorantes”: amados-amigos-amantes-distantes... mistura de sentimentos tão duais que, na verdade, assustam mesmo. Mas eu acho engraçado este tipo de pessoas. Ariscas, podem até não sofrer fugindo do envolvimento, do gostar, do doar-se... mas também acho que perdem muito do sabor, da alegria, da novidade que a vida oferece.

Enfim, ele me disse que não pode conhecer-me de verdade, telefonar, encontrar-se comigo ou imiscuir-se de forma mais real e palpável na minha vida, porque ele tem a vida dele, urgente e apressada, real e imprescindível. Diz que tem que “cultivar o seu jardim”... por isto as utopias têm que ser deixadas de lado.

Fiquei matutando... mineiros adoram matutar...

E...

“Cadê vc, cadê vc, vc passou... o que era doce e o que não era, se acabou...” – Ele “cantou” esta música pra mim, da última vez que conversamos. Respondi:

Não... não posso crer que passaste...ou que eu passei...

Se bem que passar, passamos todos. Passamos por crises, passamos por ruas... passamos de ano, passamos por apuros, passamos por pessoas. Passamos “desta pra melhor”; ou pra pior , afinal, sabe-se lá... Na dúvida, melhor ficar por aqui mesmo.

E cultivar jardins. Sim, cultivá-los! Quem te disse que não cultivo o meu?

Ao contrário, acho que vivo a cultivá-lo. E faço isto tão bem que, no meu, tem flores que tu não encontras no teu. No meu, amado, tem flores mágicas! Tem folhas secas e canteiros multicoloridos... No meu tem árvores frondosas com frutos e sombra, ao pé das quais me escondo do sol. Tem galhos ressecados e tem espinhos que ferem. Eu, como boa jardineira, tento colher as flores sem ferir as mãos. Às vezes consigo; em outras, as mãos até escapam do ferimento, mas não o coração...

Preciso sim, precisamos ambos, cultivar os nossos respectivos jardins. Mas... tu sabes? Plantas, canteiros, árvores, folhas, sementes, precisam de um segredinho para que fiquem bonitos e viçosos: AMOR.

Jardim cultivado sem amor pode até dar flores, mas nunca será oásis... nunca será lugar pra se "pastar os olhos", como diria Quintana. Meu velho Quintana, poeta querido. Morto, nem por isto esquecido, porque soube, como ninguém, cultivar o seu jardim e deixá-lo para que os outros nele pudessem se deleitar. Cultivo sim, amado, o meu jardim. Com carinho, com suor e lágrimas. E é por isto que, apesar de tantos tropeços que me jogam ao solo, vez por outra, ainda me sinto uma privilegiada: porque tenho um banco onde me sentar, canteiros para descansar os olhos, perfume para inebriar as narinas, cores para alegrar o coração e lembranças (ah, tantas lembranças, em cada pétala de flor!) para não deixar que a seiva da vida se escoe. Lembranças e saudade para que nem as plantas, nem a jardineira, morram.

Cultivemos, pois, o nosso jardim... o que nos impede? Conversas na Net? Transas virtuais (o que só acontece nos poemas!)? Contas a pagar? Nossos filhos? Nossos cônjuges? Nossos afazeres? Nossas crenças ou a falta delas?

O que nos impede de cultivar nosso jardim? Acho que, ao contrário, as pessoas citadas são os nossos melhores ajudantes de jardinagem. Com eles, através deles, para eles é que o cultivaremos. Pessoas que andarão pelas suas alamêdas, que se sentarão à sombra das suas árvores e que rolarão na grama orvalhada do nosso (e tb deles!) jardim.

Cultivemos o nosso jardim e troquemos mudas e sementes. E façamos enxertos... e colhamos flores híbridas!

Por que, por exemplo, os nossos jardins não podem ser próximos? Por que não podem se tornar um único? Um imenso jardim onde nossos sonhos possam conviver em harmonia, onde nossos projetos encontrem guarida, onde possamos passear de mãos dadas com os nossos respectivos cônjuges, onde possamos nos deleitar, sorrir uns para os outros e onde nossos filhos possam misturar o eco de suas vozes e gargalhadas?

Um imenso jardim, como o do Éden. Utópico? Não acho... utopias são possíveis, basta querermos. Ainda que os nossos jardins não sejam literais, ainda que os perfumes e cores estejam abrigados apenas em nossas almas, eles podem ser reais no tempo-espaço do nosso coração sonhador.

Estou lendo sobre uma teoria filosófica, num livro da Marilena Chiauí, que diz que o real é aquilo que nós criamos... é o nosso imaginário.

Realidade.... o que é a realidade? As contas a pagar, o colégio, o dentista, o computador travado, o ônibus cheio, o carro no conserto, o vale-refeição pra um almoço self-service, a fila de banco, o posto de gasolina, a estrada no fim-de-semana, a correria, o trabalho, são tão reais quanto o email cheio de carinho, o sorriso ao fim do dia, o calor da mãozinha de um dos filhos... e o meu beijo desenhado no messenger e o teu sorrisinho em resposta... mesmo que estas coisas ou as pessoas não estejam presentes no momento mas que sejam apenas lembradas... são REAIS!

Assim, o “pecado” que tu possas ver numa “relação virtual”, o que a gente entende como “adultério, não é a relação em si somente, mas a intenção do coração. Não quero com isto dizer que o simples fato de pensar, imaginar, escrever, sonhar, é adultério... mas só será se isto for realmente uma intenção, um propósito, uma forma de ferir aos nossos companheiros.

No nosso caso... não, amado! No nosso caso não é “pecado”... é gozo, é poesia, é fuga, é "catarse". É MAGIA! É AMOR!!! É POESIA!

Companheirismo, amizade, desejo, erotismo, troca, emoção, partilha, nada disto é pecado. “Pecado” é “intenção maléfica” ... e se o que sentimos é puro, apesar de profano e bom, apesar de conter o mal, não é pecado, mas VIDA, porque TUDO nesta vida é dual!

Voltemos ao nosso jardim...

Nada nos impede de cultivá-lo! Aliás, acho que poderíamos cultivar, juntos, o mais bonito e florido dos jardins. Com recantos mágicos, com fontes, com carramanchões. Poderíamos até construir um lindo coreto e contratar uma banda de música pra encher o recanto de notas musicais que se misturassem ao som dos passarinhos.

Vamos, pois, querido, cultivar o nosso jardim. Tu não precisas temer o envolvimento. Podes cultivar o teu aí, no Rio. Eu posso cultivar o meu aqui, em Minas... O “meu guri” vai cultivar o dele, no Rio Grande, a “Bequinha” vai cultivar o dela em Sampa, em meio à selva de pedra dos arranha-céus... Todos eles, tão distantes geograficamente. Quilômetros de estradas, serras, mares, florestas, separando os nossos jardins. Mas podemos construir pontes que os unam. Pontes que nos permitam olhar os canteiros uns dos outros. Que nos façam perceber as belezas de cada um. Que nos permitam encontrarmo-nos às sombras de cada árvore e nos deleitarmos com o perfume próprio de cada local e estação... apesar da distância.

Amo-te muito... Deixa-me, pois, ajudar a regar as tuas flores... ou, se isto não for possível, guarda ao menos aquela rosa vermelha para mim... e vem presentear-me com ela, ao fim do dia.

A flor da amizade sem barreiras... a flor do amor... a flor da poesia.

BH - 11.02.02

lisieux
Enviado por lisieux em 21/05/2005
Código do texto: T18661