Rodar para passar

Há pouco espaço para defender reprovados. O exame de baliza para motoristas é notoriamente célere. Aquele que não consegue estacionar em espaço exíguo não está preparado para deter-se numa cidade como São Paulo ou mesmo Porto Alegre. Deve existir muita gente neste país que dirige e sequer estaciona num cubículo de balizas, simplesmente porque a inteligência leva-nos a buscar espaços condizentes com a capacidade mecânica de cada um. O que existe é o erro como tempero para novo desembolso, além do número irrisório de aulas com instrução para cada caso. A fila enorme, o nervosismo, o exame na via pública, os carros com manutenção duvidosa. Tudo concorre ao fracasso. Os reprovados em número considerável destinarão mais verbas para o novo ensaio de estacionamento num espaço limitado. Já o cuidado quanto aos primeiros socorros fica dimensionado em mera apreciação teórica de pouco tempo, superficial demais para o quadro dramático das notícias banhadas em sangue sempre jorrando fresquinho neste exato momento. As lições deveriam ser de enfermagem e duvido que a grande maioria tenha aprendido a utilizar uma simples bandagem. Mas a baliza dá dinheiro, reprova. Sem contar o valor elevado do curso para habilitação, sem narrar à espera na chuva das aulas. Tenho certeza de que os futuros motoristas enriquecem esse processo altamente lucrativo de erro e acerto. O exame das balizas, perto das aulas de segurança preventiva, sugere uma gananciosa experiência de acerto e erro com o aval do polegar opositivo, feito como caça-níquel manipulado, nesse estreitamento pré-definido para nova carga de valor. Tudo altamente controlado. Você coloca o dedo numa tinta para as digitais e depois deve passá-lo em qualquer lugar que desejar para limpá-lo, tal o preciosismo.

No caso do departamento de trânsito fica certo a máxima: é preciso rodar para passar. Deveria ser maior o tempo de rodagem, mas nunca esse ritual de baliza como sinal de que realmente estamos capacitados para enfrentar a monstruosidade que se transformou o trânsito brasileiro. O pouco tempo de convívio, mesmo com carros velhos se apagando, mesmo com estradas sofríveis, reside na falta de convívio com a qualidade total, procriando essa coisa terrível chamada trânsito. Fica no processo de lucro apenas a fome de transgressão da etapa. Os que não conseguem continuarão sendo motoristas sem habilitação, muito mais sérios, com atenção redobrada sobre a possibilidade de erro. Muitos deles serão ótimos motoristas, e sequer passaram no célere teste da baliza. Não conheci nada mais intolerante em minha vida com o nome de razão. Repito: lucro sobre o engano com estreitamento das possibilidades consiste esse grande circo de vantagens para o erro sobre o êxito. O que deveria ser apenas tempo de rodagem sem especulação.