Vou chamá-la de Amélia
Para não chamá-la de outras coisas, e até escrever com injustiça, daqui por diante a chamarei de Amélia. Nunca pensei que em pleno século XXI ainda houvesse pessoas que pensassem e agissem como uma “ameba’, se dispondo a aceitar tudo, a se despojar das próprias formas, a pensar apenas nos outros com intenção de agradar e “provar’ que é boazinha. Essa foi a primeira impressão que me causou a Amélia. E perdurou essa impressão após ouvir sua história.
Amélia era a segunda companheira de um ilustre advogado. Ele nunca quis casar de papel passado, dizendo que, por pouco, não havia quebrado a cara com a primeira, que ela era uma pessoa egoísta. A lista se alongava. A Amélia não insistia em oficializar a união, temia ser taxada como uma chata, desconfiada, ultrapassada. Também teve de abrir mão de ser mãe. Ele não quer, foi a resposta que me deu. Ele diz que já lhe bastam os dois filhos do primeiro relacionamento. Mas Amélia, e quanto a você? Fazer o quê? Respondia com aquela voz de fada. Um dia quem sabe...
Amélia loira, olhos azuis, 33 anos, parecia uma menina. Ele cinqüentão, voz de trovão, bonito, porém não conseguia enxergar além do nariz grego do qual tinha tanto orgulho. Possuía apartamento, casa de praia, fazenda, ações... Amélia de nada sabia. Ambos viviam num apartamento de dois quartos, sala, cozinha, área de serviço e garagem para um carro. Valor do imóvel: R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).
O companheiro adoeceu, sabia que para seu mal não havia cura. Teve tempo de cuidar de tudo, deixar Amélia abrigada, porém nada fez. Após sua morte, a primeira companheira aproveitando o momento de fragilidade procurou Amélia, pedindo-lhe os pertences do falecido, pois desejaria que seus filhos tivessem ‘muitas lembranças do pai’. O que fez Amélia? Simplesmente empacotou roupas, sapatos, livros, documentos, fotos, e tudo o que achou que diminuiria a ‘dor dos meninos’. Dias depois recebeu a grande notícia: Todos os bens do falecido haviam sido bloqueados, e a primeira esposa se intitulava responsável e legítima herdeira de tudo. Quanto a Amélia, essa era ‘um caso’ do falecido. Ainda reclamava a posse do apartamento que a Amélia morava. Apresentava como provas, a documentação e os pertences que a própria Amélia havia lhe entregado.
Os amigos, a maioria advogado, reconhecem que o defunto foi desleal, mas nenhum quer comprar essa briga, porque a mulher vive no meio de gente graúda. Chego a questionar: Quem não prestava era apenas a primeira mulher? Ou será que ambos, ela e o defunto são almas gêmeas? Acredito que os dois são tão parecidos na forma de agir e pensar que o ‘vaso’ que cabia o tal defunto, com certeza tem a mesma medida para a ex-mulher.
Amélia minha impressão mudou. Gradativamente fui conhecendo o outro lado da sua história de vida. Você estava acostumada a não ter nada. Quando seu amado apareceu você acreditou que estava vivendo uma fantasia, e que um dia tudo isso iria acabar porque era muita coisa pra você. Jamais passou pela sua cabeça, tirar proveito da situação, ‘cuidar pra sair lavando a burra’. Sabe por que Amélia? Você não esperava ‘descobrir que nunca foi verdadeiramente amada’. Seu príncipe nunca foi um príncipe. Sempre foi sapo do começo ao fim, porém você estava cega de amor. Triste é saber que você está saindo dessa experiência como se um rolo compressor tivesse lhe esmagado. Daqui pra frente mantenha os olhos bem abertos. Reconheço que você não agiu apenas como uma Amélia da vida, você acreditou demais, esperou demais e afinal, recebeu apenas ingratidão.
Mas quero que você saiba que estou torcendo pela sua ‘reconstrução’. Que na sua vida sempre haja lugar para um recomeço. Vou falar algo bem baixinho para você: Já fui Amélia, já me comportei como ameba, já tentei agradar gregos e troianos e descobri que na verdade eu não estava sendo eu, mas tentando encaixar-me num molde que não me cabia. Hoje, depois de muitos encontros e desencontros, subida e descida, sucesso e fracasso estou de volta à vida que só eu tenho direito de procurar, descobrir, desejar e lutar por ela.
Ah, quero lhe dar um aviso: Tenha muito cuidado, pois muitas vezes somos tentadas a querer voltar para o círculo. Recuse o convite, é destruição na certa.