SÉRIE CRÔNICAS DA MADRUGADA - 01 (O Tempo)
Normalmente as pessoas escolhem seus momentos mentais arejados para se darem ao prazer da leitura e/ou da escrita.
Comigo o processo é inverso. Eu preciso da experiência conflitante com a exaustão para permitir um passeio íntimo em direção à paz. Isso não se dá no campo da diplomacia, pois meus ímpetos não negociam nem mesmo com as minhas convicções e quando a minha fome de gritar ostenta suas armas, só mesmo uma pancada de bandeira branca para lhe abrandar. E no contexto desse campo minado pacifista, só mesmo a madrugada consegue me receber com braços abertos e transforma minha histórica insônia em protagonista dos sonhos alados que vertem de meus dedos ansiosos sobre o teclado.
A madrugada é um palco rico. Sempre a vi assim. Conheço todas as facetas e trilhas sonoras de seus espetáculos e desde a mais tenra idade que acompanho de olhos arregalados tanto a sua concepção quanto o seu ocaso aos pés da aurora. Vários de seus legados se eternizam em mim na forma de poemas e quando os primeiros raios de sol começam a se insinuar, o sono breve que finalmente chega parece ser uma branda promessa de que novos reencontros virão.
A minha relação com o tempo sempre foi muito particularizada. Logo de início eu percebi que percebia mais do que devia, que atentava a tudo o que de mim nem se esperava, que discernia minha época de um modo vanguardista ao mesmo tempo em que contextualizava o passado em que sequer estive aos instantes reais de minha existência.
Eu nunca falei o idioma de minha época, eu nunca li suas linhas pragmáticas, não engessei os meus processos mentais conforme os interesses impostos por uma cultura vigente, ainda que lhe sendo fruto e nela subsistindo.
Eu fui um menino assustado com o que via, posto que só eu via. Eu aprendi a me silenciar diante de tantas iluminações despercebidas pelos que me rodeavam e logo aprendi que somente minhas dúvidas serviriam de resposta aos meus esclarecimentos. Eu anotei no cérebro o que o papel se recusou a registrar e no sabor do sal de cada lágrima eu extrai a doçura de um destino, que por razões ainda hoje ignoradas, julgou me atribuir a singularidade que sou.
E o tempo foi implacável comigo. Seus delírios precisavam da minha inquietude para me consolidar num solo fértil de dramas e tramas, para me estabelecer no trono do esquecimento que me agrada, fundar a cidadela da unicidade populacional, onde meu olhar governa os sonhos possíveis a tudo que a lógica recusa, para que assim, mediante o alto preço das pratas invisíveis, eu possa voar ao topo de tudo aquilo que me faz realmente feliz.
É por isso que eu amo a madrugada. É por isso que minha insônia não é patológica. Há uma luz que me persegue e ele requer penumbra. Há um eco de esperança à minha espreita e ele pede por silêncio. Há um dia transformador nascendo em mim e ele absorve todos os seus nutrientes nas fontes da madrugada.
“Que os sóbrios me permitam esse estado de delírio, pois o mundo que me adoece é o mesmo que eu curo com meus versos” (Reinaldo Ribeiro)