O TUDO QUE OS OLHOS CUSTAM A VER

Tarde de feriado e o meu cenário era o conhecido de todos nós, ou ao menos da grande maioria dos paulistanos mais atentos.

Vinha eu pelo mesmo trecho de sempre, aquele que a princípio facilita a vida dos que se dirigem ao interior de São Paulo através da interligação feita pelo rodoanel entre as principais rodovias do Estado e mesmo do país.

O que observei já comentei por aqui.

Porém, desta vez me foi possível observar melhor, posto que somos obrigados a parar nas filas NO MEIO da pista para o pagamento do pedágio, NUM COMPLEXO VIÁRIO QUE TEM POR OBJETIVO FACILITAR O FLUXO.

E como me é de praxe acionei o pensamento, entre meu espanto e meu medo. Os que pagam o "SEM PARAR", paradoxalmente têm mais cabines de passagem e não se arriscam às mazelas da potencial violência daquele entorno. Já os carros que se apinham entre as poucas cabines comuns oferecidas na volta dum feriadão prolongado...

A paisagem do entorno é surreal e espanta nossos olhos, embora os bastidores do que se denomina "desenvolvimento social sustentável" quase sempre são invisíveis mesmo à acuidade sensorial mais aguçada e desafiam a definição semântica do mais fiel dicionário do mundo.

Por alguns instantes me lembrei duma veterinária que conheci recentemente, especialista em meio ambiente, que pertence a uma empresa terceirizada pelo Estado para cuidar dos animais que perderam seu habitat na construção do rodoanel. Como se fossem os únicos...

Faz parte.Todo progresso tem seu preço...embora viva eu a me perguntar o que é progresso e para onde estamos indo...

Mas se de um lado a fauna e a flora sofrem, doutro, a tragédia humana patrocinada pela negligência social se descortina a olhos vistos no espaço cedido pelo desmatamento.

Fixei meus olhos no lixo depositado a céu aberto num morro às margens da rodovia e acompanhei a trajetória dum urubu solitário que se refastelava num resto de almoço do dia, provavelmente dividido com as ratazanas que vez ou outra atravessam a pista bem a nossa frente.

De fato, não há como se ocultar todos os lixos, e nem todos os ratos, por melhor que seja a propaganda.

E eu ali voei no pensamento até que a mocinha do pedágio me trouxe de volta à realidade nua e bem crua: "seu troco senhora, obrigada!".

Acelerei o carro aliviada por poder sair não tão rapidamente dali, sã e salva...até que outra praça de pedágio pudesse ser construída na ideia de algum gestor público, nalgum outro trecho antes do meu destino de sempre.

Boquiaberta, meus olhos se perderam pelo retrovisor, aonde lentamente vi sumir aquele apinhamento desordenado de casas, ora de madeira ou de parca alvenaria, construídas em terreno inóspito, aonde entre elas também se via cintilar uma linda igrejinha cujas paredes lembravam um fino mármore carrara ou qualquer outro material de inegável nobreza.

Num imenso "outdoor" um lembrete de que ali existia um governo que "trabalha por nós".

Preferi acreditar que sim.

Então, ergui meus olhos aos céus, e quase no final do feriado de Nossa Senhora Aparecida, pedi pelo fortalecimento da minha fé...nos nossos "deuses da terra"...