UMA LOUCURA QUALQUER

Assentei um pouco as minhas inquietações no dia em que resolvi assumir que uma porção de loucura faz mesmo parte inseparável de mim. Meu primeiro espanto foi quando deixei de beber, de jogar compulsivamente tudo o que se referia a um desafio mental visando superações (e tentar a tal da sorte também, claro). Tinha ao mesmo tempo parado de fumar e voltei. Pensei: assim não dá, estou ficando certinho demais. Tenho que ter algo que aplaque a fúria primitiva. Em vez de sair por ai matando decidi abrandar a minha ira através da auto destruição pela nicotina e alcatrão. Os únicos vícios que me haviam restado eram: fazer palavras cruzadas no banheiro, ler jornais todos os dias e comer uma banana pela manhã, já que disseram que quem come uma banana por dia não visita médicos. E muitos desses estão ficando loucos (é o que dizem).

Agora mesmo, nessa madrugada silenciosa, uma raridade na cidade grande, estava aqui ouvindo os pingos da água filtrando. Contei uma gota a cada 24 segundos. Fui logo trocar a vela. Calculei rapidamente que, sendo 7,5 litros a capacidade do filtro, eu só ia beber água filtrada daqui a 82 horas. Torturante, mas tolerável diante da sede que mata. Tortura, dizem que se for física e não matar, a medicina conserta. Já para a psicológica, só mesmo desenvolvendo uma certa resiliência.

Tem umas coisas também que eu acho loucura dos outros, mas sou tributado como louco é exatamente por isso. Exemplo: Parei de assistir aos programas de televisão, feito novelas, programas de auditório. Vejo aos jornalísticos, documentários e filmes. Só. Me consideram um anormal. Como é que pode? “Televisão é um item essencial numa casa”, já me disseram. Eu sei, tem até duas e com bastante utilidade: enfeitam o ambiente, economizam na conta de energia estando desligadas e preenchem aquele espaço vazio quando se recebe visitas indesejáveis ou sem assunto. Outro exemplo: desde criança uma idéia fixa me persegue: a de que eu iria morrer de acidente automobilístico. Fiquei uma eternidade sem entrar em qualquer automóvel. Hoje uma das coisas de que mais gosto é dirigir. E tenho também o hábito de andar na contramão. Mas só do senso comum. Isso talvez me mate algum dia. De depressão ou de uma agonia fulminante.

Inspirada na crônica UM POUCO DE LOUCURA NISSO, da genial Dolce Vita

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 13/10/2009
Reeditado em 24/10/2009
Código do texto: T1863148
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.