SOU CAIPIRA PIRAPORA ... SENHORA DE APARECIDA
( Ação Literária entre Amigos)
Tania Orsi Vargas
Mais do que qualquer outro , parece que, por estas bandas, o nome de Nossa Senhora, mãe de Jesus, reina absoluto sobre as gentes pobres ou ricas e, de certa forma, parece constituir-se em uma entidade independente, apesar de ser nestes tempos o ícone que alavanca e diferencia a Santa Igreja Católica, especialmente nos países como o Brasil. Seu filho Jesus, tornado instrumento de batalha pelas novas igrejas chamadas evangélicas, não passa de um ser meio desconectado da sua origem, e por incrível que pareça, católicos e seus oponentes na busca do mercado de fiéis, colocaram mãe e filho em palanques contrários: os católicos elevando Maria ao cimo da montanha da adoração e os restantes gritando o nome de seu filho como forma de ganhar a parada. Deus, a estas alturas, permanece como aliás, já há um bom tempo, uma entidade um tanto decorativa, apesar de eu já ter lido em vários pára brisas de carros as palavras em frio plástico poluidor da natureza: "Deus é fiel". E até hoje me pego a pensar no porquê dessa afirmação, e só consigo lembrar da imagem de um cachorro que simbolizava uma marca antiga de produtos metalúrgicos, estampada num velho cofre.
Mas hoje é o dia de Nossa Senhora Aparecida, quando na cidade que tem este nome, a uma centena de quilômetros da capital São Paulo, milhares de pessoas estão chegando em romaria desde sexta-feira, vindas de todo lado, inclusive do exterior. A Sala dos Milagres é a segunda mais visitada, após o trono com a imagem que já foi reconstituída em 1978, estando partida em aproximadamente duzentos pedaços. Lá são depositados os ex votos, contados até recentemente como perto de duzentos mil, estando devidamente anotados em livros de registro. O teto está coberto de fotos, umas oitenta e cinco mil. Existem também os armários temáticos, como , por exemplo, o dedicado aos esportes, aonde muitos jogadores deixam camisetas como pagamento de promessas por campeonatos vencidos. E os objetos vão desde fogos de artifício, celulares, roupas, até instrumentos musicais, livros e jóias. As velas são reaproveitadas sendo derretidas e da mesma forma, partes do corpo feitas de parafina. Os vestidos de noiva chegam em média, sete por semana e são vendidos também no bazar. Mas existem aqueles que não podem ser negociados diretamente, como mechas de cabelos, os quais são recolhidos e feitos mercadoria para uma fábrica de perucas. Afora tudo isso, ainda há um grande número de mateirias biológicos, como cordões umbilicais, tumores, pedras de rins e biomas que são depositados em urna especial e depois incinerados diariamente.
Entretanto, neste cenário aparentemente bizarro e anacrônico, configura-se a busca pelo sobrenatural como forma de enfrentar os desajustes, a pobreza, os sofrimentos enfim, semelhante aos povos que, perdidos diante das mudanças bruscas aonde não encontravam mais um ponto seguro, eram levados ao delírio escapista nos movimentos messiânicos. A religiosidade assim, tão primitiva e visceral, parece ser mesmo uma forma de os romeiros buscarem nesta viagem uma via de fuga e encontro. E, sendo eles pessoas de todas as classes, vindos de locais tão diferentes, não estariam constituindo na atualidade uma espécie de resistência a um mundo que se transforma numa rapidez desmesurada, mas que deixa à margem desta esteira muitas questões não resolvidas? Algo como um grito de socorro do nosso "Id" tão sufocado por um mundo racional e tecnológico? Pois a religiosidade, consumida dessa forma bastante primitiva e até fetichista, aproxima-se mais daquele ser humano despido dessa armadura contemporânea, aonde o nosso exterior se apresenta como a principal preocupação, aonde as supostas imperfeições são corrigidas, apresentando-nos como embalagem refinada de um conteúdo cada vez mais centrado no intelecto, enquanto nos tornamos seres superficiais, autômatos obedecendo ao sistema.
Mas a arte de Renato Teixeira, na década de setenta, criou a linda música ROMARIA, cuja letra transcrevo e que nos traz em forma poética e bela uma forma de sentir a religiosidade como refúgio e alento para o caipira sem esperanças, bem como a todo aquele que busca uma saída e se rende ao apelo da vontade e da fé.
É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido
Em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De jibeira o jiló
Dessa vida
Cumprida a só
Sou caipira, pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão
Minha mãe solidão
Meus irmãos
Perderam-se na vida
À custa de aventuras
Descasei, joguei
Investi, desisti
Se há sorte
Eu não sei, nunca vi
Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Me disseram, porém
Que eu viesse aqui
Prá pedir de
Romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar
Meu olhar
Sou caipira, pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida