12 de outubro, Dia das Crianças
Loja cheia, multidão indo às compras, crianças abraçadas aos inúmeros brinquedos que o coração não consegue escolher porque todos são desejados, pais descabelados, apreensivos pelo rombo no bolso. É o Dia dos pimpolhos.
Ninguém percebe que lá fora, pela vitrine há um olhar de um menino raquítico. Seu olhar acompanha o movimento, o entre e sai de gente alegre, gente que tem cheiro de algo que sempre lhe será negado.Ele observa os sorrisos de quem tem motivo para estar nas nuvens. Pés descalços, roupa aos pedaços, pele suja, cabelos e pele sem brilhos, unhas imundas, perebento. Parece invisível, é mais um que foi jogado à própria sorte. E como a lei da sobrevivência fala mais alto, aprendeu a disputar alimento com os animais, enterrando sua cara nas latas de lixo e não vê diferença entre um alimento estragado, cheio de terra e uma casca de fruta, um pedaço de pão seco, um pedaço de carne lambida e mordida, que foi esnobada por barrigas empanturradas, que não conhecem a voz da fome.
Criança sem lar, infância roubada, inocência pisoteada... Direito violado. Uma coisa podre, um nada. Sem carinho, sem amor vai vivendo como pode até que...Sei lá o quê! Você não percebe, você não ouve, você não entende? Esse vulto é a voz da esperança que para ter alguma coisa de valor, aprendeu que para conseguir isso tem que ser pelo roubo. Ela só conhece um instrumento, um caminho, e esse se chama violência.
Trabalhei num órgão que tinha por alvo comunidades carentes e nesses ensaios de ‘ajuda’ conheci muitos meninos de rua; meninos que haviam abandonado as famílias, que dormiam embaixo de pontes, catavam comida no Lixão, e praticavam pequenos furtos para bancar o vício da cola e também os meninos grandes em troca de uma suposta proteção. Meninos que quando sentiam uma mão na cabeça era na certa a ‘visita’ de um cascudo, um murro ou uma paulada, uma tijolada, e outros objetos cortantes que lhes marcavam a pele e embruteciam seus corações. Escrevi um texto com mais detalhe meu contato de perto com um “COMANDANTE” .Essa experiência mudou muita coisa na minha maneira de olhar para essas vidas que estão à margem da sociedade.
Talvez alguém diga: Mas eles são verdadeiros animais! Sim é verdade, muitos até chegam a agir pior do que os animais. Muitos são considerados sem condições de voltarem à sociedade porque são perigosíssimos. E os que ainda não chegaram a esse ponto? Por que não damos uma chance aos que ainda não entraram na marginalidade? Por que não descobrimos a criança que passa em frente à nossa casa e que pelo seu modo de vestir percebe-se que é carente? Por que não fazemos amizade, descobrimos onde mora para sentir o ambiente? Constatado a necessidade, num gesto singular, ofertemos uma mão amiga. Nunca ouviu essa máxima? A mão que sabe fazer o bem já chega fazendo. Se assim não for comete um grande mal.
Essa criança tem desejo, tem sonhos, mas sabe que talvez nunca vá alcançá-los. Nesse Dia onde muitas crianças estão sorrindo, talvez haja uma tão perto de você que ainda não recebeu um beijo, um abraço, um sorriso, um brinquedo. Dói ver no mundo tanto sofrimento, e reconheço que não posso fazer muita coisa, mas uma gota move o oceano, e nessa certeza tenho por lema ‘fazer sem olhar o tamanho do espaço que falta ser preenchido. Perdoem-me se machuco os sentimentos de alguém, mas não consigo entender esse tipo de amor que leva alguém a gastar fortuna com animais de estimação. Jóias, roupas de marcas, sapatos, óculos,...??? Não pensem que sou uma pessoa que despreza os animais e os trato como um traste. Crio, amo, cuido, levo ao veterinário, alimento-os com ração, uso xampu, condicionador, uso toalhas limpas e cheirosas, dou amor e atenção, coloco no colo, sobe na minha cama, mas por aqui fico. Alguém pode agora está revoltado com esse texto. Como ela se atreve a invadir meu espaço? Dou meu dinheiro pra quem eu quero, e já faço caridade! Distribuo muitos cheques para umas três instituições que atendem os desvalidos e tenho minha consciência limpa.
Não se ofendam, sou apenas uma sonhadora. È minha maneira de pensar. Desculpem-me. Não quero ofender ninguém. Já estou terminando.
Apesar de tudo isso, ainda há o que fazer. Há criança do lado de fora da vitrine, que está a um passo de um caminho sem volta... Eu e você podemos impedir sua queda. O Governo tem sua parcela de responsabilidade e não faz. Quando faz, faz pouco ou outras ‘mãos amigas’ vêm e dão uma mordida no ‘queijo’. Há muitas instituições (Igrejas, ONGS, Associações, Clubes) que trabalham incansavelmente, há pessoas de poder aquisitivo que já se dispuseram a fazer, mas ainda há lugar para as ‘gotas’. Quando elas se conscientizarem do quanto podem fazer, um oceano de benção nos alcançará de tal maneira (isso dermos com a mão direita sem que a esquerda veja), transmitiremos às próximas gerações uma lição duradoura e eterna: a lição do amor