Sorria
Às vezes eu me pego pensando no sentido de certas coisas. Como por exemplo, por que associamos o sorriso à felicidade?
Logicamente, por ser uma reação física ao sentimento de alegria. Legal. Mas, por que será que o nosso organismo envia ordem aos lábios para se separarem e mostrarem nossos dentes quando estamos entusiasmados?
Seria uma reação instintiva? Provavelmente, visto que os sorrisos mais sinceros são aqueles que deixamos escapar sem intenção. Até por que, vocês sabem, que as melhores fotografias são as espontâneas. Aquelas que nos pegam de surpresa, quando, por exemplo, aquele nosso primo sacana nos chama já com a câmera em punho, só esperando o momento certo para disparar o flash. As fotos pré-fabricadas, normalmente saem ruins, com aqueles sorrisos amarelos, sem vida. Isso mostra o valor de um sorriso sincero, não premeditado. Mostra como nosso corpo não consegue conter o sentimento de alegria. É tamanha energia que ele não suporta e acaba escapando-lhe um sorriso, mesmo que contido em seguida. É diferente da tristeza, por exemplo. Nós sempre conseguimos segurar aquela lágrima. Para que uma nos escape, é preciso uma grande quantidade de sofrimento. Já a felicidade não. Mesmo que momentânea, ela já deixa sua marca. Já nos faz mostrar os dentes, gargalhar, suspirar.
Isso explicaria um fenômeno que venho presenciando com um nível cada vez maior de espanto: o sorriso na face das crianças pobres. Vocês já perceberam como, em meio àquelas reportagens que mostram algum desastre que aconteceu pelo mundo, ou mesmo que relatem a pobreza e as dificuldades da vida, sempre aparece uma criança sorrindo? É engraçado e, por que não dizer, estranho. Como podem aquelas crianças subnutridas da África, por exemplo, sorrirem para o cinegrafista que foca-as com suas lentes, mesmo que por um instante? Alienação? Talvez. Mas é estranho. Como pode alguém sorrir em meio a tamanha tristeza? Que motivos teria tal pessoa para demonstrar felicidade, ao ver tudo ao seu redor definhar e morrer? Seria alguma característica da inocência infantil? Provavelmente. Talvez aquelas crianças, acostumadas com tantas desgraças e sofrimento, já não sintam necessidade de expressar sua dor. Antes pelo contrário, aquilo é tão comum que as faz ignorar, abrindo espaço para os acontecimentos bons, mesmo que ínfimos.
E isso me fez pensar: não fomos nós, um dia, crianças inocentes? Nós também já não fomos capazes de sorrir mesmo diante de acontecimentos terríveis? O que nos fez perder isso? A sabedoria da idade? Os avanços de nossa mente? A inocência ainda faz parte de nosso ser, nós simplesmente já não damos espaço para que ela se manifeste. No mundo de hoje, ser inocente exige muita coragem. Coragem para enfrentar todas as mentiras que nos cercam, para enfrentar todas as pessoas falsas que esperam apenas um tropeço nosso para nos atacar.
Mas ainda assim, será que é o certo? Abdicar de toda a pureza, simplesmente para nos adaptar ao ambiente em que vivemos?
Se nós ainda fossemos tão ingênuos como antigamente, será que essas ameaças seriam realmente “ameaças”? Talvez elas soassem apenas como contos assustadores que ouvimos de nossos pais antes de dormir.
Porém, o ponto onde quero chegar não é esse. Acredito que a inocência de outrora não esteja perdida, apenas esquecida. O que quero que vocês percebam é o seguinte: mesmo diante de desastres gigantescos, é possível sorrir. Legal, poético. Agora, transmita isso para a sua vida. Você tem alguma dificuldade ou problema que vem lhe tirando o sono? Lógico que tem. Todos têm. A questão é: se preocupar tem resolvido alguma coisa?
Pense por este lado: seu cachorro está com pulgas. O que irá resolver o problema? Se preocupar, correr de um lado para o outro, roer as unhas e gritar por socorro? Resolveria apenas se as pulgas morressem de rir. Não, o problema tem solução. Veneno para pulgas está à disposição em qualquer quitanda. Perceberam? A solução não necessita de preocupação para ser encontrada. Claro, se preocupar é interessante. Pensar sobre o problema, afim de resolvê-lo. Mas isso deve ser feito de forma controlada. Se desesperar não vai te levar a lugar algum. Talvez ao psiquiatra, mas enfim...
O que eu quero dizer é o seguinte: o seu problema, tem solução, você se preocupando ou não. E se, por um acaso, ele não tiver uma forma de resolução plausível, se preocupar também não levará a nada. Logo, fica óbvio que se preocupar é inútil. Mas vamos além: se você terá de suportar aquele problema até que se resolva, por que não fazê-lo sorrindo?
Opa, agora eu pedi demais, não? Sorrir enquanto sua unha encravada dói parece coisa de doido, não? Sim, parece. Mas, vai adiantar reclamar e choramingar? Só vai estressar o podólogo...
Vamos lá, não custa tentar. Leve seus problemas na esportiva. Não precisa se alienar de tudo e dizer que o mundo é maravilhoso. Mas encare as coisas com uma perspectiva mais tranquila. As coisas vão se resolver, uma hora ou outra. Produzir rugas na testa não vai acelerar o processo. E sabem, sorrir talvez tenha algum efeito positivo. Talvez, ao ver as coisas de forma mais agradável, você consiga com que as pessoas te apoiem a suportar aquela dor. Reclamar e sofrer te faz sentir como uma pobre vítima indefesa. Esse sentimento se chama auto-piedade. E o problema da auto-piedade é que ela nunca é compartilhada pelos outros. Esperar que todos concordem com você só vai piorar a situação. Se discordarem, você se sentirá sozinho. Se concordarem, você afundará mais ainda na fossa em que já está. Esqueça isso.
Sorria. Mostre estes dentes amarelados e tortos para o mundo. Você tem um problema? Grande coisa, todo mundo tem. Muitos têm até problemas piores que os seus. E estão sorrindo. Sorria também. Vai saber se isso não te alivia? Posso estar falando uma bobagem mas, pelo menos para mim, sempre funcionou assim: pensar que os meus problemas não eram tão graves fazia com que realmente parecerem menores. Talvez funcione para vocês também. Tu tem problemas cardíacos? Bom, pelo menos você tem um coração. Por favor, não custa tentar! Um sorriso só, sim? Se quiser sentir auto-piedade, bem, fique a vontade... Mas se quiser companhia para rir do caso e perceber que vai se resolver, você se preocupando ou não, pode contar comigo.