HÁ DOIS LUGARES VAZIOS NA MESA... 
 

               Sexta-feira, quase um mês depois do velório, voltei a casa de meu pai.  Após a missa de trigésimo dia - que por falta de espaço no calendário da igreja teve que ser celebrada dia 09/10 - fui visitar sua companheira. Ainda não havia encontrado coragem para ir lá.  Na chegada o primeiro choque, sua cadeira vazia em baixo da árvore, era lá que ficávamos conversando.


               Senti vontade de voltar, mas é preciso cuidar dos que ficaram e Ditinha está precisando de todos nós. Ela ainda não consegue alimentar-se direito e seu sofrimento é quase palpável. Confessou-me que quando olha em volta e não o encontra tenta imaginar que ele fez uma viagem, foi visitar uma das filhas e logo vai voltar.


               A casa me pareceu vazia, apesar de multidão que estava lá – filhos, netos, amigos, vizinhos. Os dois lugares vazios na mesa parecem esvaziar a casa inteira. Percebi que ainda não estou pronta para ajudar ninguém, eu mesma ainda não tenho forças para aceitar serenamente os lugares vazios daquela casa e a cadeira que, em baixo da árvore, parece esperar seu dono. Preferi calar. 


               Prometi voltar outro dia. Conversei rapidamente com meus irmãos – filhos de Ditinha -, e pedi que continuássemos unidos, como era desejo de papai. Dei um último abraço em todos e voltei para casa, meu coração nunca me pareceu tão doente, tão doído e vazio quanto aquela cadeira que tantas vezes abrigou o corpo de meu velho e amado pai. 


               Mamãe estava comigo. Emocionou-me o abraço apertado dela e Ditinha. Na despedida mamãe disse, você tem a dor e a saudade, eu tenho somente a dor. Doeu em mim ouvir esta frase. Sei o quanto ela é verdadeira. Mas doeu ainda mais porque sei, que a dor de mamãe é, principalmente, porque apesar de tudo, ela sempre amou papai. Saiu da vida dele, mas ele sempre esteve presente na dela. 


               Não quero amar assim, com dor, mas admiro muito a generosidade de mamãe que abriu mão de seu amor, mas nunca guardou rancor daquele que trouxe tanto sofrimento a sua vida.  




*Papai, e Zé no aniversário de  68 anos de papai.
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 11/10/2009
Reeditado em 19/10/2009
Código do texto: T1860331
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