TROCAR OS SAPATOS


Uma das atitudes fáceis que o ser humano costuma fazer uso é tentar ajudar o outro em suas dores, sejam elas do corpo ou da alma. Não existe nada mais doloroso para quem está sentindo dor, do que ouvir certas opiniões do tipo: você está exagerando! Isto está acontecendo porque você não se abre, não se expõe, não permite ser ajudada. Esqueça! Dê a volta por cima! Perdoe! Você é hipocondríaca! Saia, divirta-se, sorria! , coisas deste tipo.

Há ainda as conclusões sem base, como: você é muito orgulhosa, mude seu jeito de ser! Isto está acontecendo porque você tem raiva de fulano! Encare sua dor de frente...Não seja covarde! Afaste-se de Beltrano, esta pessoa não é para você! Você não gosta da companhia das pessoas...Quer sair hoje à noite?...não, aposto que prefere ficar aí, ruminando a sua dor. Eu lhe avisei!...Eu sabia que você ia sofrer! Tudo baseado em julgamento, e até mesmo com uma dose de preconceito.

É claro que algumas vezes algumas das “opiniões” estão certas. Aquele que sente a dor conhece algumas delas... Até gostaria de fazer algumas das sugestões dadas. Porém, não é por aí. Em alguns casos uma verdade dura dita com carinho e ternura pode tocar o outro e até faze-lo sentir-se melhor. Porém, apesar das vacinas serem feitas geralmente com o próprio bacilo ou veneno que desencadeou a dor, é preciso ser solidário, empático para com o outro que está sofrendo. É muito dolorido saber que a dor cura-se com a própria dor, porém penso que nem sempre pode ser assim. É preciso preparação, amor, compaixão em certos casos. Acredito que na maioria deles. Um osso que se deslocou, pode ser recolocado por alguém apto para isto. A pessoa já está sentindo dor e vai sentir mais ainda, porém é a solução. Certamente, até nesses casos, uma dose de compreensão e carinho antes do “tombo”, a torna mais leve.

Existe um costume entre os indígenas norte- americanos: quando o velho sábio da tribo reúne em conselho outros índios, para tomar uma decisão sobre uma desavença, uma briga séria a primeira coisa que ele diz é: vamos trocar os sapatos. Em sua sabedoria acumulada ao longo do tempo o ancião sabe, melhor que toda a tribo, até mesmo do que o pajé, que é o curador, que, antes de julgar, condenar, criticar, acusar, ofender e brigar, é imprescindível trocar os sapatos.
Esta frase pode não ser obedecida literalmente, claro, e eles sabem disto. Mas sabem também que, obedecendo ao velho guerreiro, vão ter que refletir, colocar-se no lugar do ofensor, ponderar sobre suas emoções e atos resultantes dela...perguntar-se: o que eu faria no lugar dele? Por que ele agiu assim? O que pode estar acontecendo com ele ou ter acontecido para desencadear esta violência? (ou nos casos citados anteriormente, dor, apatia, desespero, descontrole, depressão, etc. etc. ).

A maioria de nós humanos (duas pernas, como dizem os índios), sabemos que só trocando os sapatos podemos de fato, ajudar o outro. Mas esquecemos, ou o ego que quer mostrar-se como o bom, o certo, o que sabe das coisas, não permite e aí soltamos verbalmente uma porção de baboseiras, tentando ajudar, claro, mas que na realidade, só aumentam a dor do outro, porque, como diz a letra de uma canção: “a dor é minha,... eu tenho a minha dor” ou ainda, como diziam os mais velhos: “cada um sabe de si”. A intenção é válida, porém há que ser mais humano, a cada dia, fazendo ao outro o que gostaríamos que fosse feito conosco.
Portanto, seria bom que trocássemos os sapatos antes de falar inconseqüentemente, sugerir, ou mesmo reclamar daquele que está sofrendo.
Eles, os índios, possuem também pleno conhecimento de suas forças interiores e, para quem está sofrendo eu diria:
“O escudo do Oeste enfatiza o poder de descobrir e conhecer nossas próprias respostas. Lembre-se de que as opiniões dos outros acabam misturando-se às nossas próprias dúvidas, transformando-se em limitações, sempre que nos esquecemos de Entrar em nosso próprio Silêncio".
 
Obs.: Escudo do Oeste: uma das cartas do livro As Cartas do Caminho Sagrado- A descoberta do ser através dos ensinamentos dos índios norte-americanos, de Jamie Sams