CRONIPOEMA
lisieux
Vontade de escrever uma crônica. Há tempos não me sento a fim de retratar o cotidiano, como costumava fazer, em outras épocas. Mas... cadê inspiração?
Vida tão monótona e vazia, relógio tiquetaqueando horas tão iguais, que não valem a pena ser contadas. A quem interessariam?
Falar do quê? De coisas que se passam à minha volta? Mal as percebo. Escondida em mim, introjetada, encolhidinha, venho vegetando há anos.
Por isto escrevo poesia. Porque na poesia me é possível voar. Tomar as asas da alva, mergulhar no infinito azul e esquecer, ainda que por momentos, a dor, a angústia, a insatisfação, inquilinos eternos do meu coração.
Fazer uma crônica é, pois, impossível. Quem se interessaria pelo dia-a-dia de uma dona-de-casa mineira? Vidinha insossa, inodora, incolor.
Amor? Só de hora marcada, amor de garagem, entra-e-sai e vira-e-ronca, marca registrada de amor-obrigação,
lavrado em cartório.
sexo apressado
insatisfatório...
Cadê o romance?
Cadê a paixão?
A crônica perde, então,
O sentido...
Melhor, voltar ao poema
À cadência do verso
À sonoridade da rima
Pois nele o dilema
De amar, tão perverso,
Ganha cor, ganha forma
Parece até bonito...
No verso eu me esqueço
Da vida caseira
De todo tropeço
Da vida em comum...
Do cheiro de sopa
Da gripe dos filhos
Do salário arrochado
Do prazer nenhum...
E sonho com olhos
Que brilham no escuro
Reflexo da lua
Em camas de hotéis
De amores fiéis
E de frases sonoras
Com toques sutis
De mãos e de corpos
Esqueço o cansaço
E a minha rotina
Desfaço este laço..
Me torno menina...
Perdida em meu verso
Lisieux - 08.05.03